quinta-feira, março 10, 2011

Florestan Fernandes, o Mestre

 

  Antonio Ozaí da Silva 
O vídeo retrata a vida do engraxate, garçom, professor, deputado, constituinte, que fez da vida uma verdadeira aula.
Para o professor Antônio Cândido ele foi o único grande homem de sua geração; o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fala do amigo com a reverência de um filho para um pai, inclusive nas discordâncias; os ministros José Dirceu e Luiz Gushiken lembram do político como dois discípulos de sua conduta, acrescida de uma dose de pragmatismo; o ex-ministro Jarbas Passarinho sustenta que discordavam ideologicamente, mas os unia a afinidade intelectual; a professora Mirian Limoeiro sustenta que ele fez da sociologia uma ciência; o deputado Ivan Valente fala do marxista aberto a todas as discussões; seu filho, Florestan Fernandes Júnior, lembra do eterno otimista. Todos estão juntos no documentário.
Durante 50 minutos são percorridos os caminhos mais duros da sua infância do Brás, por onde andou carregando sua caixa de engraxate em direção ao centro histórico e às portas dos grandes cinemas, ou subindo o morro dos Ingleses, para entregar ternos nas mansões da burguesia paulista. Trabalhava como garçom quando, aos 17 anos, resolveu cursar o que na época era chamado madureza, hoje supletivo, para despontar depois na primeira geração de professores brasileiros da Universidade de São Paulo (USP) e ser considerado o maior sociólogo brasileiro, uma referência internacional na sociologia.
Eleito duas vezes pelo PT, era um ícone na Câmara dos Deputados, sempre tratado de professor. Foi aluno de Roger Bastide e Claude Lévi-Strauss, professor de Fernando Henrique Cardoso e Otávio Ianni, colega de Antônio Cândido e Hermíno Sachetta, com que trilhou o trotskismo.
Suas primeiras grandes obras, das mais de 50 que publicou, foram sobre a sociedade dos índios Tupinambá, tribos da faixa litorânea praticamente extintos desde o século XVII. Elas se tornaram uma referência para a sociologia em geral e para sua vida em particular. Sobre sua formação escreveu:
“…descobri que o ‘grande homem’ não é o que se impõe aos outros de cima para baixo, ou através da história; é o homem que estende a mão aos semelhantes e engole a própria amargura para compartilhar a sua condição humana com os outros, dando-se a si próprio, como fariam os meus tupinambá”.
Florestan Fernandes morreu aos 75 anos, em 10 de agosto de 1995, vítima de dois erros médicos no Brasil.
Este documentário, dirigido por Roberto Stefanelli, recebeu em 2004 o prêmio Vladimir Herzog, a mais importante premiação jornalística da área de direitos humanos do país.

sexta-feira, dezembro 31, 2010

DESAGRAVO DO PROFº IGOR P. WILDMANN

Amigos, 
Embora há muito tempo desligado daquela instituição, como ex-professor do Instituto Metodista Izabela Hendrix, fiquei profundamente consternado com o caso do universitário que, revoltado com suas notas baixas, cravou uma faca no coração de seu professor, na cantina, em pleno horário escolar, à frente de todos.
Escrevi um desagravo e, em minha opinião, a pérfida ilusão vendida a muitos alunos despreparados, sobre a escola (e a vida) como  lugares supostamente cheios de direitos e pobres em deveres, acaba por contribuir para ambientes propensos à violência moral e física.

J’ACUSE !!!
(Eu acuso !)


 
(Tributo ao professor Kássio Vinícius Castro Gomes)
« Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice.
(Émile Zola)
Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. (...)
(Émile Zola)
Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para a prova subsequente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do estudante foi ter que... estudar!).
A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente espancada por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia ser outro.
O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos ambientes escolares.
Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e imperativo de convivência supostamente democrática.
No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas que “era proibido proibir”. Depois, a geração do “não bate, que traumatiza”. A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha”. Não dê provas difíceis, pois “temos que respeitar o perfil dos nossos alunos”.
Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu conhecimento.” Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é o aluno que vai avaliar o professor”. Afinal de contas, ele está pagando...
E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral epidêmica, travestida de “novo paradigma” (Irc!), prosseguiu a todo vapor, em vários setores: “o bandido é vítima da sociedade”, “temos que mudar ‘tudo isso que está aí’; “mais importante que ter conhecimento é ser ‘crítico’.”
Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno – cliente...
Estamos criando gerações em que uma parcela considerável de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que “o mundo lhes deve algo”.
Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas, cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar.
Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal ao autor do homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença devida ao célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo da faca:
EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende relativizar tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa;
EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam a “revolta dos oprimidos”e justificam a violência por parte daqueles que se sentem vítimas;
EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para tumultuar e cometer crimes em outras escolas;
EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado e doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar a avaliação ao perfil dos alunos”;
EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação, que em nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a proliferação de cursos superiores completamente sem condições, frequentados por alunos igualmente sem condições de ali estar;
EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras missões na sociedade;
EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente, cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual, finge que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto hoje vale muito mais do que seu sucesso e sua felicidade amanhã;
EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com segundo grau completo cresceu “tantos por cento”;
EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham pela massificação do ensino superior, sem entender que o aluno que ali chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno “terá direito” de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o desespero de seus futuros clientes-cobaia;
EU ACUSO os que agora falam em promover um “novo paradigma”, uma “ nova cultura de paz”, pois o que se deve promover é a boa e VELHA cultura da “vergonha na cara”, do respeito às normas, à autoridade e do respeito ao ambiente universitário como um ambiente de busca do conhecimento;
EU ACUSO os “cabeça – boa” que acham e ensinam que disciplina é “careta”, que respeito às normas é coisa de velho decrépito,
EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são comprados e vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis;
EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade dos políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO os professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar a devida punição.
EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores que impedem os professores de punir os alunos que colam, ou pretendem que os professores sejam “promoters” de seus cursos;
EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram condutas desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários, pois sua omissão quanto aos pequenos incidentes é diretamente responsável pela ocorrência dos incidentes maiores;
Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos -clientes, serão despejados na vida como adultos eternamente infantilizados e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o exercício da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos, desafios e decepções do dia a dia.
Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível que podemos chamar de “o outro”.
A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu tiro nota
baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima. O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu queria.         Estou com muita raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.”
Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte não seja em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor “nova cultura de paz” que podemos adotar nas escolas e universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo de verdade.
Igor Pantuzza Wildmann
Advogado – Doutor em Direito. Professor universitário.

quinta-feira, dezembro 30, 2010

Pierre Bourdieu

O sociólogo francês detectou mecanismos de conservação e reprodução em todas as áreas da atividade humana, entre elas o sistema educacional

Foto:
Foto: As pesquisas de Bourdieu exerceram forte influência na Educação durante os anos 70 e 80

As pesquisas de Bourdieu exerceram forte influência na Educação durante os anos 70 e 80

Frases de Pierre Bourdieu:
“Não há democracia efetiva sem um verdadeiro poder crítico”

“Nada é mais adequado que o exame para inspirar o reconhecimento dos veredictos escolares e das hierarquias sociais que eles legitimam”


Pierre Bourdieu nasceu em 1930 no vilarejo de Denguin, no sudoeste da França. Fez os estudos básicos num internato em Pau, experiência que deixou nele profundas marcas negativas. Em 1951 ingressou na Faculdade de Letras, em Paris, e na Escola Normal Superior. Três anos depois, graduou-se em filosofia. Prestou serviço militar na Argélia (então colônia francesa), onde retomou a carreira acadêmica e escreveu o primeiro livro, sobre a sociedade cabila. De volta à França, assumiu a função de assistente do filósofo Raymond Aron (1905-1983) na Faculdade de Letras de Paris e, simultaneamente, filiou-se ao Centro Europeu de Sociologia, do qual veio a ser secretário-geral. Bourdieu publicou mais de 300 títulos, entre livros e artigos. Fundou as publicações Actes de la Recherche en Sciences Sociales e Liber. Em 1982, propôs a criação de uma “sociologia da sociologia” em sua aula inaugural no Collège de France, levando esse objetivo em frente nos anos seguintes. Quando morreu de câncer, em 2002, foi tema de longos perfis na imprensa européia. Um ano antes, um documentário sobre ele, Sociologia É um Esporte de Combate, havia sido um sucesso inesperado nos cinemas da França. Entre seus livros mais conhecidos estão A Distinção (1979), que trata dos julgamentos estéticos como distinção de classe, Sobre a Televisão (1996) e Contrafogos (1998), a respeito do discurso do chamado neoliberalismo.

Embora a maioria dos grandes pensadores da educação tenha desenvolvido suas teorias com base numa visão crítica da escola, somente na segunda metade do século 20 surgiram questionamentos bem fundamentados sobre a neutralidade da instituição. Até ali a instrução era vista como um meio de elevação cultural mais ou menos à parte das tensões sociais. O francês Pierre Bourdieu empreendeu uma investigação sociológica do conhecimento que detectou um jogo de dominação e reprodução de valores.

Suas pesquisas exerceram forte influência nos ambientes pedagógicos nas décadas de 1970 e 1980. “Desde então, as teorias de reprodução foram criticadas por exagerar a visão pessimista sobre a escola”, diz Cláudio Martins Nogueira, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. “Vários autores passaram a mostrar que nem sempre as desigualdades sociais se reproduzem completamente na sala de aula.” Na essência, contudo, as conclusões de Bourdieu não foram contestadas.

Na mesma época em que as restrições a sua obra acadêmica se tornaram mais freqüentes, a figura pública do sociólogo ganhou notoriedade pelas críticas à mídia, aos governos de esquerda da Europa e à globalização. Ele costuma ser incluído na tradição francesa do intelectual público e combativo, a exemplo do escritor Émile Zola (1840-1902) e do filósofo Jean Paul Sartre (1905-1980).

Valores incorporados

O livro A Reprodução (1970), escrito em parceria com Jean-Claude Passeron, analisou o funcionamento do sistema escolar francês e concluiu que, em vez de ter uma função transformadora, ele reproduz e reforça as desigualdades sociais. Quando a criança começa sua aprendizagem formal, segundo os autores, é recebida num ambiente marcado pelo caráter de classe, desde a organização pedagógica até o modo como prepara o futuro dos alunos.

Para construir sua teoria, Bourdieu criou uma série de conceitos, como habitus e capital cultural. Todos partem de uma tentativa de superação da dicotomia entre subjetivismo e objetivismo. “Ele acreditava que qualquer uma dessas tendências, tomada isoladamente, conduz a uma interpretação restrita ou mesmo equivocada da realidade social”, explica Nogueira. A noção de habitus procura evitar esse risco. Ela se refere à incorporação de uma determinada estrutura social pelos indivíduos, influindo em seu modo de sentir, pensar e agir, de tal forma que se inclinam a confirmá-la e reproduzi-la, mesmo que nem sempre de modo consciente.

Pierre Bourdieu 



Sociólogo francês, nascido em 1930 e falecido em 2002, foi professor na Escola Prática de Altos Estudos de Paris começando por desenvolver trabalhos na área da etnologia.
As suas investigações incidiram fundamentalmente na relação entre o sistema social e o sistema de ensino, isto é, existiria uma relação entre a classe social e a carreira escolar e profissional das pessoas (teoria da reprodução social). Para além disso, a escola valoriza aqueles que possuem uma "herança cultural" e é facilitada a aprendizagem a todos os que possuem o capital cultural. De entre as suas obras pode-se destacar: Les Heritiers, les Étudiants et la Culture , L' Amour de l'Art e Le Métier de Sociologue . Traduzidas para o português: O poder simbólico , Regras da Arte e Razões Práticas; Sobre a Teoria da Acção; Sobre a Televisão

quarta-feira, dezembro 29, 2010

O Admirável Ponto de Exclamação!
Em textos pedagógicos de autores brasileiros

 

Gabriel Perissé

Todo mundo aceita que ao homem cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto de exclamação (dizem: tem alma dionisíaca)
(João Cabral de Melo Neto)

O ponto de exclamação é o gancho do desesperado.
(George Myers)

A perda do ponto de exclamação é a perda da nossa
capacidade de nos assustarmos, de nos revoltarmos,
 de nos chocarmos com o que é importante.
(Jack Levin)

Sinais de pontuação?
São marcas de nascença!
(Vladímir Maiakóvski)

Ponto de exclamação, a que vieste?
No Manual que Eduardo Martins organizou para orientar os que redigem no jornal O Estado de S.Paulo (e acabou por se tornar referência mesmo para profissionais não-jornalistas, como revisores, advogados, empresários, professores, universitários etc.), o verbete “ponto de exclamação” diz o seguinte:
Tem valor eminentemente literário; no jornal só deve ser usado em casos muito especiais e quando se quiser dar muita ênfase a uma declaração ou enunciado. [1]
Os grifos são de Eduardo Martins, e demonstram que o ponto de exclamação pode ser usado, mas com muita, muita parcimônia, se é que a expressão “eminentemente literário” não exclui até mesmo essa possibilidade, pelo menos para os que não se consideram literatos.
O mesmo verbete no Manual do jornal Folha de S.Paulo, [2] disponível na web, praticamente expulsa das suas redações o pobre sinal, e explica por quê:
Quase sempre desnecessário no texto jornalístico. Nunca use em título. Em texto noticioso, só use entre aspas na reprodução literal de declaração enfática. A força de um acontecimento jornalístico decorre de sua própria dramaticidade, não de recursos de estilo de qualquer espécie.
Existe, porém, uma edição impressa mais recente, em que o verbete foi reescrito, sempre atendendo aos critérios de excelência do jornal:
Nunca use em título, a não ser em casos excepcionais, com autorização da Secretaria de Redação. Em texto noticioso, só use entre aspas, na reprodução literal de declaração enfática. [3]
À primeira vista, uma certa liberdade. Pensando bem, no entanto, o que era “quase sempre desnecessário” tornou-se possível somente em casos excepcionais, e ainda sob consulta! Trocaram-se seis por meia dúzia. A pergunta (a súplica) do jornalista será: “Por favor, hoje eu posso fazer uma exclamação?”
Curiosamente, no Manual do jornal O Globo, [4] o ponto de exclamação sequer é mencionado. Há recomendações sobre o uso da vírgula, do ponto-e-vírgula, dos dois-pontos e do travessão, mas o sinal gráfico que nos interessa foi de tal modo esquecido que nem chega a ser proibido na redação carioca. Não há por que censurar o que já desapareceu.
No outro lado do oceano, a jornalista portuguesa Anabela Gradim concebeu um Manual de Jornalismo, [5] por ela definido como um “manual extremamente conservador”, em que o ponto de exclamação não tem vez:
O ponto de exclamação serve para diferenciar os enunciados de entoação exclamativa, empregando-se depois de interjeições, apóstrofes, ou do imperativo. Tratando-se de um sinal de pontuação que veicula ordens ou uma forte carga emotiva nunca deve ser utilizado pelos jornalistas em textos noticiosos ou respectivos títulos, excepto se se tratar de uma citação. [6]
Também em Portugal, o jornal Público criou um Livro de estilo, acessável em seu site, [7] em que, uma vez mais, lemos o “desconselho”:
O ponto de exclamação é desaconselhado nos textos jornalísticos, salvo na reprodução literal de uma declaração enfática: “Sinto-me ofendido!” [8]
No campo acadêmico internacional, o circunspecto Editorial Style Guide da Universidade de Sheffield (Inglaterra) é taxativo: “Exclamation marks are generally to be discouraged. Enthusiasm can be shown in other ways”. [9]
No jornalismo alternativo, um dos mais competentes blogueiros brasileiros, Rafael Galvão, [10] com base em algumas diretrizes redacionais de Elmore Leonard, conhecido escritor, roteirista e redator de publicidade norte-americano, não só concorda com uma de suas afirmações: “Keep your exclamation points under control”, [11] mas aproveita para esmagar de vez: “O ponto de exclamação é o crachá da incompetência”. [12]
Na publicidade, a Agência DPTO. oferece em seu site “Dicas de estilo”, esclarecendo que redator de propaganda não é escritor, mas “também tem lá o seu estilo”. Uma das dicas refere-se ao ponto de exclamação com uma tímida simpatia:
Ponto de exclamação: uma vítima do preconceito dos publicitários.
Para não ser radical e falar “evite”, é preferível dizer que o melhor é ter bom senso. No mercado publicitário convencionou-se que os títulos terminam com ponto final. É claro que em alguns casos e quando o próprio ponto de exclamação faz parte da idéia, você tem que usar o dito cujo. Na prática, o ponto de exclamação é claramente discriminado pelos redatores. [13]
Um livro clássico de William Zinsser [14] sobre produção de textos não-ficcionais observa que devemos ter muito cuidado com este sinal, pois transmite a sensação de sentimentalismo meio infantilóide, ou pode incomodar o nosso leitor, se quisermos indicar-lhe com o ponto de exclamação o quanto estamos sendo engraçados ou irônicos, descoberta que o leitor é inteligente o bastante para fazer sozinho. Em suma, não há por que usar esse sinal-símbolo para forçar uma reação emocional nos leitores...
A julgar pelas recomendações acima, publicitários, jornalistas e produtores de textos “sérios” e “profissionais” não têm, em geral, [15] uma boa convivência com este sinal gráfico, cuja função é expressar sentimentos ou sensações meio perigosas, talvez, para a confiabilidade de um enunciado: surpresa, assombro, admiração (por isso ele também é chamado “ponto de admiração”), incredulidade, alegria, indignação, ironia, dor...

Elogio (comedido!) ao ponto de exclamação
E o pedagogo brasileiro que escreve, o que faz ele com o ponto de exclamação? Ou, perguntando de outra forma: o ponto de exclamação é bem-vindo ao mundo da produção escrita pedagógica, das teses, dissertações, ensaios...? Em que medida o ponto de exclamação contribui para ou prejudica a reflexão do educador?
Antes de investigarmos essas questões, interesse central deste artigo, cabe lembrar algumas exclamações a favor do ponto de exclamação! O ponto de exclamação como recurso estilístico legítimo... até mesmo para os jornalistas que, segundo Nietzsche, vieram substituir os professores universitários...
O jornalista Alfredo Ribeiro, por exemplo, mais conhecido como Tutty Vasquez, escreveu a crônica “Vício de linguagem!” [16] , divulgada em 28 de março de 2002 num dos melhores endereços jornalísticos (http://www.no.com.br/) da web, hoje desativado. Tutty descobre que ficou viciado em usar o ponto de exclamação:
Preciso de ajuda! Durante 15 anos fiz uso da coisa achando que dela poderia me livrar a hora que quisesse! No início, tudo não passava de uma brincadeira! Usava 10, no máximo 12 exclamações a cada 30, 40 pontuações que fazia, sem nenhum critério lógico de linguagem! Era, talvez, um jeito infantil de dizer aos leitores que nem tutty era verdade nos textos que escrevia! Para mim, aquilo era um ponto de maluquice!
O jornalista Augusto Nunes escreveu certa vez que eu me expressava “brandindo o ponto de exclamação como uma borduna do idioma”! Achei aquilo lindo, mas a verdade é que passei a usá-lo indiscriminadamente só para contrariar um velho chefe! Era 1988, eu trabalhava no JB, e certa vez fui advertido por Marcos Sá Corrêa, na época editor do jornal: “Não sei por que você usa tanta exclamação! Aliás, nem sei por que esse ponto existe!” Rebelde sem causa, encontrei uma para abraçar e nunca mais usei o sinal de pontuação com que as pessoas normais encerram um período(.)!
O problema é que, ultimamente, já não consigo escrever nem bilhete para a empregada sem exclamar, o que, convenhamos, é ridículo! O mesmo acontece com os e-mails que envio! Dia desses preenchi um cheque com ponto de exclamação no final do valor por extenso! Virou vício incontrolável e, no gênero, já me basta o cigarro!
O tom piadístico encerra uma verdade. O ponto de exclamação, apesar de ser tão mal visto por um estilo jornalístico despojado, e às vezes apontado como um vício, possui expressividade própria, tem o seu lugar ao sol no trato do idioma. Ora, por que abolir o ponto de exclamação?! Uma leitora do prestigiado site cultural Jangada Brasil [17] escreveu uma carta elogiosa, fazendo protesto contra quem deseja expurgar o ponto de exclamação:
Feliz aniversário! Desejo que o sucesso da Jangada aumente cada dia mais, porque vocês merecem. Acho que foi o Drummond que uma vez disse não haver mais motivos no mundo pra se usar o ponto de exclamação. Ele estava enganado. Vocês merecem todos !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Parabéns mesmo! [18]
De fato, abolir este sinal algo tem a ver com uma atitude “sensata” de anticelebração. Celebrar o quê, afinal de contas? Pense um pouco: admirar-se com o quê? Com as notícias de sempre, com a redundância dos males, com a reinterada constatação da mesquinhez humana? O ponto de exclamação, no entanto, é passional, e sempre consegue admirar-se. Mas tal admiração parece ingênua, ou mesmo autoritária, ou vazia.
Ao ponto de interrogação (de que Drummond fez uso abundante em alguns poemas) adere-se a imagem do filósofo, daquele que questiona, que duvida, que lança o anzol “?” no mar das perplexidades e, com paciência, fisgará alguma resposta, ou não... Quanta sutileza! Já o renegado ponto de exclamação, “borduna do idioma”, con-forme as palavras do jornalista Augusto Nunes, clava indígena, tem algo de violento, de primitivo, de espontâneo demais. Exclamar é clamar, gritar, bradar, chamar em alta voz. O ponto de exclamação é ponto de aclamação, de declamação, de reclamação, de proclamação, de conclamação. Incomoda realmente os ouvidos mais sensíveis. Como incomoda também, para os menos expansivos, o exagero da língua espanhola que emprega o signo de exclamación também no início da frase, invertido: “¡”.
O maior defensor do ponto de exclamação no jornalismo brasileiro (sobretudo nas manchetes!) e na língua portuguesa foi o teatrólogo Nelson Rodrigues.
Homem de paixões e obsessões, que bem se conhecia e por isso se definia como romântico — “sou um pierrô, sou um romântico. (...) o romântico piegas” [19] —, Nelson vivia em estado de ponto de exclamação: seu fanatismo futebolístico (pelo Fluminense!), suas afirmações paradoxais, seu vanguardismo conservador, seus “óbvios ululantes”, suas frases redundantes, suas definições definitivas (“cretinos fundamentais”, “grã-finas com narinas de cadáver”...), seu anticomunismo exacerbado, suas posições patéticas, seus exageros verbais. É lendária a sua reação intempestiva e reiterada contra a concepção moderna de um jornalismo objetivo (estávamos na década de 1950), [20] segundo a qual os “idiotas da objetividade” (assim Nelson os chamava, sem a menor tolerância) encaravam como supérfluo o ponto de exclamação:
A busca da “objetividade” significava a eliminação de qualquer bijuteria verbal, de qualquer supérfluo, entre os quais os pontos de exclamação das manchetes — como se o jornal não tivesse nada a ver com a notícia. Suponha que o mundo acabasse. O “Diário Carioca” teria de dar essa manchete sem um mínimo de paixão. Nelson, passional como uma viúva italiana, achava aquilo um empobrecimento da notícia e passou a considerar os “copy-desks” os “idiotas da objetividade”. [21]
Assis Chateaubriand, embora vivesse o jornalismo com paixão e engajamento, exercitou seu pragmatismo ao máximo e cairia, por conseguinte, na categoria dos “idiotas da objetividade”, ao defender uma imprensa brasileira próxima ao modelo norte-americano, supostamente mais objetivo, a prática do noticiário “limpo”, calcada numa técnica própria de redigir (Pompeu de Souza e Carlos Lacerda, grandes jornalistas na época, produziram os primeiros manuais de redação). E eis o que escreveu Dr. Chateaubriand sobre o malfadado ponto de exclamação, contra o qual alimentava insuperável idiossincrasia:
O ponto de exclamação se tornou, nos vespertinos e matutinos sensacionalistas cariocas, o ponto final obrigatório de qualquer manchete. Se um repórter quer dizer que chegou ao porto o Astúrias, ele escreve em manchete de oito colunas: “Chegou o Astúrias!”. Desce o presidente de Petrópolis a fim de presidir uma reunião do ministério. Fato ordinário da atividade administrativa do país. Logo os vespertinos anunciam: “No Rio o sr. Getúlio Vargas!”. [22]
Ao contrário, Nelson Rodrigues acreditava que os jornais tinham de usar exclamação em seus títulos, entretítulos e textos, como forma de expressar emoção e gerar comoção. Insurgia-se contra a frieza daquela nova imprensa. Numa entrevista a Geneton Moraes Neto, que lhe perguntou se o leitor comum sentia falta do ponto de exclamação, respondeu com uma história: o antigo jornalismo...
permitia, por exemplo, que você fosse fazer a cobertura de um incêndio e levasse na mão uma casa de pássaro, uma gaiola, e metesse a gaiola com um pássaro lá num certo ponto da casa em chamas. E aí o repórter que não era idiota da objetividade dizia que o nosso querido fotógrafo ouviu toda a cantoria do canário. E terminava dizendo: “Morreu cantando” (a essa altura, Nelson Rodrigues concede uma entonação teatral a esta frase). O repórter fora cobrir um incêndio. Mas o fogo não matara ninguém. E a mediocridade do sinistro irritara o repórter. Tratou de inventar um passarinho: enquanto o pardieiro era lambido, o pássaro cantava, cantava. Só parou de cantar para morrer. A história desse canário fez um sucesso tremendo. Um sujeito queria uma vala especial para o canário, o nosso querido canário cantor. Era lindo. O jornalismo de antigamente era mais ou menos assim. Hoje, a reportagem de polícia está mais árida do que uma paisagem lunar. Lemos jornais dominados pelos idiotas da objetividade. A geração criadora de passarinhos parou em Castelar de Carvalho, o autor dessa reportagem sobre o incêndio. Eis o drama: o passarinho foi substituído pela veracidade que, como se sabe, canta muito menos. Daí porque a maioria foge para a televisão. A novela dá de comer à nossa fome de mentira. [23]
Nelson jamais poderia concordar com aquela famosa recomendação do escritor norte-americano F. Scott Fitzgerald a jovens escritores: “Elimine todos esses pontos de exclamação. Um ponto de exclamação é como rir das próprias piadas”. [24] Pois se é justamente nesse rir de si mesmo, nesse rir (uma outra forma de chorar) da piada e do abismo de estar vivo, se é nessa reação tragicômica que se manifesta o ser dionisíaco!
Não se conformava, e repetia que se o copidesque daqueles tempos visse, pela janela, uma bomba atômica caindo, teria tempo de redigir “caiu uma bomba atômica”, sem acrescentar um ponto de exclamação, um toque de espanto sequer. Nelson não perdoou jamais, por exemplo, que o assassinato de John Kennedy, em 1963, tenha provocado, no Jornal do Brasil, uma manchete sem emoção, infensa ao espanto e ao horror.
O curioso é perceber que, de certa maneira, os dois argumentos se complementam. Não é recomendável escancarar as portas da emoção e, distribuindo o ponto de exclamação a torto e a direito, banalizá-lo, mas seria e é uma grande perda para a linguagem jornalística (e não só para a jornalística) riscar o menor assomo de sentimento. Por outro lado, apesar de tudo, o ponto de exclamação não é o único nem o principal meio de expressar intensidade de vida no texto. Gilberto Freyre, com um estilo anti-retórico, como “inimigo figadal do ponto de exclamação”, conforme palavras de Otto Maria Carpeaux, [25] nem por isso escrevia com frieza, e ele mesmo afirmava (sem exclamar) que ser alguém escritor “é desenvolver uma atividade que nada tem de burocrática. É uma atividade mais de aventura que de rotina”. [26]
Ainda que igualmente contrário ao ponto de exclamação, o Manual de estilo da Editora Abril — cujos organizadores, encabeçados pelo jornalista Carlos Maranhão, acharam por bem ampliar sua utilidade para fora da Abril, dedicando-o a “jornalistas, escritores, editores, estudantes e profissionais ou amadores” — dão um conselho sensato, que, afinal, relativiza a proibição por eles mesmos corroborada:
Evite (o ponto de exclamação). A vontade de usá-lo pode ser sintoma de fraqueza das palavras ou de debilidade da frase. Procure palavras mais fortes para construir uma frase vigorosa.
Mas, quando for o caso de exclamar, exclame! [27]
A questão de fundo está aqui: em saber quando é o caso de exclamar, em saber decidir  quando o ponto de exclamação é necessário e pertinente. O seu uso deveria depender, não de regras institucionais, externas, mas da paixão e da consideração de quem escreve. Em seu Explode um novo Brasil, totalmente envolvido com o relato da campanha pelas eleições diretas (1983-1984), o jornalista Ricardo Kotscho sente-se na obrigação de justificar, num P.S. à Introdução, o ter deixado escapar um “Viva o Brasil, viva o povo brasileiro!”:
Sei que não fica bem para um repórter escrever assim, com ponto de exclamação e tudo, já ensinavam velhos manuais. Mas o que eu tive a felicidade de ver e de viver nestes últimos meses não está mesmo em manual nenhum. [28]
Embora lhe tenham sempre ensinado “que repórter deve ser imparcial, neutro, jamais pode se envolver com o assunto sobre o qual está escrevendo” [29] (Ricardo começou sua carreira em 1964, quando os padrões da “objetividade” jornalística estavam já assegurados), sua primeira reação, instintiva, é opor a realidade vista e vivida, irrefutável, exclamativa, aos velhos padrões. O segundo gesto, baseado na experiência, é opor-se ele mesmo à tal “objetividade”, e ensinar aos demais a razão desta reação:
Pode-se fazer uma reportagem de mil maneiras diferentes, dependendo da cabeça e do coração de quem escreve, desde que essa pessoa seja honesta, tenha caráter, princípios. Não, não estou falando da tal “objetividade jornalística”, da “neutralidade” do repórter, essas bobagens que inventaram para domesticar os profissionais que não se dobram aos poderosos de plantão, porque têm um compromisso maior com seu tempo e sua gente. [30]
Recusar essa “objetividade” não significa (e essa consideração será de vital importância também para a análise da objetividade própria à reflexão pedagógica) entregar-se ao subjetivismo deformador da realidade. O sentido ético do trabalho jornalístico — o mesmo Ricardo Kotscho faz ver numa entrevista em março de 1993 — leva o profissional a “esquecer suas preferências pessoais”, [31] a não brigar com os fatos, a conduzir o leitor a um contato o mais direto possível com a realidade noticiada. Suas preferências políticas, partidárias, religiosas, sexuais ficam em segundo plano. A grande preferência passa a ser a que caracteriza o jornalista-artista, ponte entre o fato e o leitor. E o fato é tantas vezes exclamador!
Ricardo Noblat, adepto do jornalismo apaixonado (“paixão insaciável”, como preconiza Gabriel García Márquez), do jornalismo que vem satisfazer os aflitos e afligir os satisfeitos, ele que também iniciou sua carreira na década de 1960, defende sem meias palavras a reavaliação positiva do ponto de exclamação:
Sou a favor de que se recupere o ponto de exclamação escorraçado dos títulos. E até mesmo dos textos. (...)
Jornais e jornalistas devem estar sintonizados com o sentimento coletivo. Nem sempre devem curvar-se a ele. Mas não podem deixar de percebê-lo. Nem deixar-se contaminar por ele.
Se o presidente do Uruguai acusa os políticos argentinos de ladrões e depois visita Buenos Aires, chora diante das câmeras de televisão e pede desculpas, por que não usar um destes títulos sobre a fotografia em que ele aparece chorando: “Vexame!”, “Vergonha!” ou até mesmo “Que papelão!”?
Tais títulos emitem juízo de valor, dirão os partidários da neutralidade jornalística. E por isto seriam impróprios. Quanta hipocrisia! Jornal nem sempre é neutro. Vou além: jornal jamais é neutro, nem mesmo quando tenta fingir que é. O ato de publicar uma notícia e de desprezar outra é tudo menos um ato neutro. [32]
Fora do mundo da imprensa, vejamos o que escreveu uma poeta do universo virtual, Luciana do Rocio Mallon [33] , sobre o ponto de exclamação, utilizando-se da etimologia visual:
Ele é um cometa de ponta cabeça,
Que não deseja que ninguém se esqueça...
De um sentimento de espanto e de loucura...
A poeta encontra para o “!” uma imagem sugestiva. A força do cometa, sua passagem luminosa, chamativa, seu caráter premonitório, sua imagem de serpente de fogo ou de estrela fumegante (associações que os habitantes do antigo México faziam), espanto, loucura... A propósito, há quem associe a um cometa a estrela que guiou os reis magos ao local em que se encontrava o Menino (cf. Mt 2, 10 – “Videntes autem stellam gavisi sunt gaudio magno valde”). Cometa exclamativo, anunciando imensíssima (magno valde) alegria:
Já o escritor gaúcho e acadêmico Moacyr Scliar, para quem o ponto de exclamação é usado por aqueles que gritam com ou sem razão (os retóricos, os demagogos e os fanáticos), compara-o com “uma espécie de bastão, de cunha, abaixo do qual há um ponto. (...) como se a implacável parte superior tivesse como alvo a parte inferior.” [34]
Monteiro Lobato faz Emília gritar e exclamar diante dos pontos de exclamação que ela encontra no país da Gramática:
Depois chegou a vez dos Pontos-de-exclamação.
— Viva! — gritou Emília. Estão cá os companheiros das Senhoras Interjeições. Vivem de olhos arregalados, a espantar-se e a espantar os outros. Oh! Ah!!! Ih!!!!! [35]
Essas e outras possíveis interpretações imagéticas são significativas, nada impede que as multipliquemos. Contudo, a origem do sinal gráfico é outra, igualmente interessante, e igualmente relativizadora de uma impossível neutralidade.
O sinal provém, na realidade, de um logotipo para a exclamação latina Iō, denotadora de alegria ou dor: [36] um “I” maiúsculo sobre um “o” minúsculo — “!”. [37] Pronuncia-se “iô”, como bem esclareceu Fernando Pessoa, ao traduzir o “Hino a Pã”, do mestre esotérico Aleister Crowley:
Vibra do cio subtil da luz,
Meu homem e afã
Vem turbulento da noite a flux
De Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Do mar de além
Vem da Sicília e da Arcádia vem!
Vem como Baco, com fauno e fera
E ninfa e sátiro à tua beira,
Num asno lácteo, do mar sem fim,
A mim, a mim! [38]
O criador do logotipo teria sido o poeta, historiador e político italiano Coluccio Salutati (1321-1406) — o punctus exclamativus sive admirativus, que, no entanto, só se popularizou a partir de meados do século XVII, provavelmente com a ajuda dos ventos barrocos, que produzem, como dizia Severo Sarduy, uma “exclamación inefable”, e levaram alguns críticos a cunhar a expressão “barroco gritón”.
Sinal de exaltação, de comemoração, de alegria exacerbada. E de dor que não passa, sofrimento e raiva. Um sinal carregado de paixão e êxtase. Sinal que, como vimos, muitos desejariam enterrar vivo, e para o qual o escritor português Augusto Abelaira faz um elogio (fúnebre?) numa de suas crônicas, escrita no começo dos anos 1980:
E passo adiante, (...) aprendi na escola que entre os vários sinais gráficos havia o ponto de exclamação e, naturalmente, apressei-me logo a exclamar. Como lera em Aristóteles (não lera em Aristóteles, que é um pouco indigesto, mas num comentador) que no espanto está a raiz da ciência, eu, desejoso de ser sábio, comecei a ver o mundo como um grande ponto de exclamação, acrescentado, como é óbvio, com um ponto de interrogação.
Uma flor, um regato, o quarto crescente da Lua, uma mulher bonita e inteligente, simbolizava-os graficamente com pontos de exclamação maiores ou menores (enormes no caso da mulher bonita e inteligente). Eu próprio, ao observar-me mais atentamente, me sentia um ponto de exclamação.
E quando, menino, comecei a escrever e escrevi “a gata preta teve quatro gatinhos brancos”, coloquei imediatamente à frente da frase, enxameada de erros de ortografia, cinco pontos de exclamação (um pela gata, quatro pelos gatinhos). Adulto, enfim, ao rabiscar a frase “o VII Governo Constitucional é coerente e está para durar” coloquei também quatro pontos de exclamação (um por cada ano que ele ia durar).
De facto, nenhum outro sinal gráfico me fascina tanto. Porque, no fundo, onde está a humanidade da vírgula ou do acento circunflexo? O ponto de exclamação é o apelo do sentimento, a riqueza da vida afectiva traduzida num simples sinal. E não poderia viver sem o ponto de exclamação, a grande ponte entre o coração e a inteligência, o mistério do universo.
E no entanto... Porque não o dizer, porque não o confessar? Terríveis apreensões invadem o meu espírito. Eu lera recentemente num especialista que nada obstava a que amanhã se desse afectividade aos computadores ― isso ainda não fora feito apenas porque era inútil, embora possível. A minha alma enchera-se de entusiasmo, claro está. Um mundo com computadores afectivos, que se angustiam, que choram, que sentem alegria, que praguejam ― que maravilha! Mas essa satisfação foi breve.
Sento-me hoje em frente duma máquina de escrever novinha em folha e a primeira coisa que procuro é naturalmente o ponto de exclamação. Mas não, esta máquina, última palavra de inteligência dactilográfica, exemplo, de certo, das mais vivas necessidades do homem moderno, resultado de numerosas investigações psicológicas e sociológicas acerca da melhor maneira de os homens melhor se adaptarem à realidade dos nossos dias, tem o cifrão, claro, tem também os sinais aritméticos (por amor da matemática ou da ganância?) tem o sinal das percentagens, tem ainda o ponto de interrogação (até quando?), mas o ponto de exclamação, esse, desapareceu.
E desapareceu certamente porque se concluiu já não ser necessário ― devermos tudo aceitar sem espanto. O espanto, ter-se-á descoberto, é um factor de perturbação no universo, a dedada do demónio.
O começo duma nova era? Afastado dos teclados das máquinas de escrever, numa época em que toda a escrita passa pelas máquinas de escrever (até cartas de amor), o ponto de exclamação (e portanto a própria exclamação) caminham para o rol das coisas arcaicas, precedendo, provavelmente o ponto de interrogação, o outro sinal do demónio. E com mais uns anos, as próprias escolas deixarão de ensiná-lo, a memória dele perder-se-á.
Sem o sinal tradutor do espanto, os homens deixarão de se espantar, a flor, o regato, o quarto crescente da Lua, a mulher bonita e inteligente não terão mais mistério, o mundo passará a ser apenas o que parece ser: compreensível, óbvio, as maçãs cairão porque sim.
Opaco.
Ah!!!!
Oh!!!! [39]

Ponto de exclamação? Para quê?
Qual o motivo da ojeriza que muitos profissionais do texto brasileiros sentem, em geral, hoje, pelo ponto de exclamação?
Uma possível explicação é que, depois de os nossos escritores românticos (e em especial os poetas) terem usado e abusado deste sinal para enfatizar suas idéias e emoções, produzindo nos leitores-escritores brasileiros do século XIX e das primeiras décadas do XX a impressão de que compete a quem escreve exclamar com freqüência, produziu-se uma certa náusea, um certo enjôo. Depois do transbordamento de emoções, da veemência, da grandiloqüência, da hipérbole, do arrojo, da overdose emocional, sobreveio a natural ressaca.
O romantismo é uma explosão de sentimentalismo, comoção, euforia, dramaticidade, nostalgia desgarradora, egotismo misturado com o ufanismo da nacionalidade, sensações conflitantes, contraditórias, desesperação, angústia, idealismo... Os seus representantes, quase por instinto, têm de recorrer ao ponto de exclamação!
Castro Alves, por exemplo, não o economiza, ao expressar a dor coletiva que ele assume pessoalmente:
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais!... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Esta é a última estrofe do talvez mais famoso poema abolicionista, “O Navio Negreiro (Tragédia no Mar)”, declamado (imagine-se com que emoção!) pela primeira vez pelo próprio poeta no dia 7 de setembro de 1868, numa sessão comemorativa da Independência (não esqueçamos do grito do Ipiranga!), vinte anos antes da Lei Áurea.
Fagundes Varela, atingido pela tragédia (a morte de seu filho em dezembro de 1863), também encontra nos pontos de exclamação uma forma de gritar, neste caso, por causa de sua terrível dor pessoal. Como nesses versos do “Cântico do Calvário”:
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, — a inspiração, — a pátria,
O porvir de teu pai! — Ah! no entanto,
Pomba, — varou-te a flecha do destino!
Astro, — engoliu-te o temporal do norte!
Teto, caíste! — Crença, já não vives!
Vale a pena citar outro adepto da arrebatada opção estética do romantismo, o genial Álvares de Azevedo (1831-1852), em cuja poesia há mil exclamações. Uma rápida vista de olhos e encontram-se estrofes salpicadas de paixão:
E que noite! que luar!
E que ardentias no mar!
E que perfumes no vento!
Que vida que se bebia
Na noite que parecia
Suspirar de sentimento! (“O Mar”)
Volta, minha ventura! Eu tenho sede
Desses beijos ardentes que os suspiros
Ofegando interrompem! Quantas noites
Fui ditoso contigo! (“Minha Amante”)
Os poetas pós-românticos, como Alfredo Bosi nos ensina, [40] baixaram o tom da retórica empolgada, refrearam os vôos sentimentais daqueles “exclamadores”. Contudo, mesmo assim, no início do século XX, passada a torrente romântica, um poeta como Augusto dos Anjos (que na falta de melhor classificação chamemos “pré-modernista”) recorria ao sinal de exclamação com liberalidade:
Tarda-lhe a Idéia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento! (“O Martírio do Poeta”)
Baldada introspecção! Noumenalmente
O que Ela, em realidade, ainda sentia
Era a mesma imortal monotonia
De sua face externa indiferente! (“Natureza Íntima”)
E o poeta Cruz e Souza (1861-1898), teoricamente não enquadrável entre os românticos, ainda conservava o apego às exclamações:
     Ó tédio amargo, ó tédio dos suspiros,
              Ó tédio d'ansiedades!
     Quanta vez eu não subo nos teus giros
              Fundas eternidades!
(...)
     O Tédio! Rei da Morte! Rei boêmio!
              Ó Fantasma enfadonho!
     És o sol negro, o criador, o gêmeo,
              Velho irmão do meu sonho! (“O tédio”)

     Boca de dentes límpidos e finos,
     De curve leve, original, ligeira,
     Que é feito dos teus risos cristalinos?!
     Caveira! Caveira!! Caveira!!! (“Caveira”)
Depois de tantas exclamações, por mais justas e necessárias, por mais sinceras e espontâneas, sobrevém a reação. Surge a tendência, liderada pelos temperamentos menos emotivos e menos dramáticos, de, a partir das décadas de 1930, 1940, expurgar este “auxiliar da literatura”, como o denomina Silveira Bueno. [41]
Expurgo de um mero “auxiliar”, que não se fez, porém, de modo tão pacífico assim. Foi precedido e impulsionado pela ironia de um Mário de Andrade que, em Macunaíma [42] (“poema herói-cômico”, assim adjetivado pelo próprio autor), emprega o ponto de exclamação para com ele ridicularizar os hábitos verbais grandiloqüentes e altissonantes da vida literária e intelectual brasileira. Na “Carta pras Icamiabas” satiriza a linguagem empolada, o tom veemente e formalista, recorrendo aos pontos de exclamação:
Porém, senhoras minhas! Inda tanto nos sobra, por este grandioso país, de doenças e insectos por cuidar!... Tudo vai num descalabro sem comedimento, estamos corroídos pelo morbo e pelos miríapodes! Em breve seremos novamente uma colônia da Inglaterra ou da América do Norte!... [43]
A exclamação fatal, que derruba qualquer vestígio de auto-admiração romântica, ou de romântica melancolia autocomplacente, é conhecidíssima: “Ai! que preguiça!...” O ponto de exclamação sem nenhum caráter!
Destronado o ponto de exclamação! O crítico literário Álvaro Lins (1912-1970) chegou a afirmar, comentando a obra de Eça de Queirós (1845-1900), que se podia considerar o escritor português quase contemporâneo nosso, e que o estilo de Eça (não-romântico mas, “por acaso”, um dos autores preferidos de Nelson Rodrigues) só se afastava de nós (isto é, os brasileiros em meados do século XX) pelos constantes pontos de exclamação.
Outro crítico, mais próximo de nós, José Guilherme Merquior (1941-1991), associava ao estilo romântico (e os pontos de exclamação como uma espécie de marca registrada desse estilo) o verbalismo e os efeitos fáceis, uma linguagem declamatória, muitas vezes de conteúdo epidérmico, em que a oralidade influenciava (em sua visão, de maneira empobrecedora) a literatura. [44]
Se no século XX o ponto de exclamação perdeu cada vez mais seu espaço, já no final do século XIX experimentara uma poderosa rejeição na pena de Machado de Assis. A propósito, Lygia Fagundes Telles faz uma observação brilhante a respeito:
Parecia (Machado de Assis) ter um bom relacionamento com José de Alencar, mas Alencar era um romântico que escrevia com certa ênfase e Machado de Assis evitava a ênfase. Lembro agora, no final de Iracema (paixão da minha juventude), daquele fecho enfático, Tudo passa sobre a terra! A mesma idéia sobre a efemeridade das coisas mundanas o nosso autor (Machado) resumia com dureza, Tudo passa. Sem o ponto de exclamação e sem comentários: Tudo passa. [45]
O que não significa que Machado estivesse alheio às potencialidades expressivas deste sinal gráfico. O Capítulo LV das Memórias Póstumas de Brás Cubas (“O Velho Diálogo de Adão e Eva”) expõe sem palavras, apenas com pontos de exclamação, interrogação e reticências o eterno discurso amoroso:
Brás Cubas
.......?
Virgília
.......
Brás Cubas
....................
..........
Virgília
..................!
Brás Cubas
...............
Virgília
..................................................................................
........................? ......................................................
...............................................................................
Brás Cubas
.....................
Virgília
.......
Brás Cubas
.................................................................................
........................................................................... .....
........................................................! .......................
....! ...........................................................!
Virgília
.......................................?
Brás Cubas
.....................!
Virgília
.....................!
O uso do ponto de exclamação, pautado pela reflexão criativa, deixa entre parênteses o seu emprego exagerado, inibe a expansividade. Afinal de contas, para que empregá-lo com tanta freqüência? Na realidade, ao mesmo tempo em que ele diz tudo, também tudo pode ser dito, e bem dito, sem a sua presença meio que escandalosa e incômoda. Para que gritar, senhores?! Basta o ponto, sem exclamação. [46]

Extra! Extra! Pedagogo utiliza ponto de exclamação!
Contudo, o ponto de exclamação não foi abolido da gramática, nem da prática dos escritores, nem da expectativa dos leitores. E nos cabe investigar, mais detidamente, como os que escrevem sobre educação no Brasil se relacionaram ou se relacionam com este sinal de pontuação.
A importância desta investigação reside no fato de que podemos detectar, no discurso pedagógico de autores brasileiros, motivações emocionais — a alegria, a angústia, a revolta, a esperança, a surpresa, a repulsa, a antipatia etc. —, que o ponto de exclamação tem o condão de trazer à luz. Ou, ainda, podemos detectar a ausência dessas motivações (uma afetada ausência, quem sabe?), e sobre essa ausência refletir: trata-se de uma “seriedade”, uma “neutralidade” que convém ao polêmico e doloroso tema da educação brasileira? E não seria o caso de pensar que uma reflexão pedagógica sem exclamações perde em engajamento e em necessária contundência? Lembrando de novo Nelson Rodrigues, que em tom jocoso dizia aos motoristas de táxi — “Volte, por favor, esqueci a ênfase em casa!” —, talvez fosse o caso de enfatizar que a ênfase dá vida ao pensamento! Por que ter medo que a exclamação prejudique a explanação?!
Em outras palavras, aquilatemos a dimensão patêmica dos textos sobre educação escritos no Brasil, observando a incidência de um pequeno ponto (mas tão expressivo), como o ponto de exclamação, cuja breve história na estilística brasileira mais recente tracei até aqui.
O páthos, no sentido de transbordamento emocional — paixão. Paixão, envolvimento afetivo, sofrimento e exultação mesclados, uma vez que se considere a educação, mais do que mero “assunto” pesquisado, autêntica e entusiasmante causa dentro de um projeto existencial, o que levava o combativo Darcy Ribeiro, por exemplo, a afirmar: “A educação é uma das causas de minha vida. Por isso mesmo, falo dela sempre emocionado, com o coração na boca”. [47]
Um autor que poderíamos, a princípio, classificar como apaixonado é Rubem Alves, psicanalista, teólogo, escritor, professor emérito da Unicamp.
No cenário da atual reflexão pedagógica, Rubem Alves ocupa um lugar curioso. Professores (sobretudo professoras) declaram seu amor incondicional por seus livros, artigos e palestras. Mas há também profissionais do mundo da educação que fazem sérias restrições ao que Rubem Alves escreve. Alegam estes que o autor não possui cientificidade suficiente para criticar o nosso sistema de ensino.
De fato, Rubem Alves não está preocupado com a cientificidade, no sentido de uma racionalidade sem pontos de exclamação. Defende a magia do ato de educar, infensa à fria e precisa linguagem das ciências da educação. Talvez, se em outros tempos estivéssemos, Rubem Alves caísse nas mãos da Inquisição. Seria queimado em praça pública, sorrindo, enigmático, sua alma subindo aos céus, e uma frase nos lábios: “santa erudição...”
Por outro lado, justiça seja feita, Rubem Alves não é, como alguns exageram, um dos maiores intelectuais da educação brasileira. O próprio Rubem seria o primeiro a negar-se esse título. Não é do seu feitio queimar incenso diante de imagens, muito menos da sua própria. Rubem Alves é simplesmente um escritor, um bom escritor. Sua filosofia da educação é não possuir uma filosofia da educação.
E, como escritor que elegeu o tema da educação como um dos seus preferidos, tem o dom de provocar. O seu alvo predileto é o educador, a escola, as expectativas sociais com relação ao ensino. Em  texto publicado pela Folha de S.Paulo, lançou perguntas que são o resumo de sua filosofia da educação — “os saberes que se ensinam em nossas escolas tornam os alunos mais competentes para executar as tarefas práticas do cotidiano? E eles, alunos, aprendem a ver os objetos do mundo como se fossem brinquedos? Têm mais alegria?” [48]
Três perguntas cuja resposta pode ser uma só: não. (Observação importante: não afirmei que a resposta só pode ser uma...) Eis aqui a não-filosofia da educação do profeta Rubem Alves. Os profetas denunciam, alertam, dramatizam, e nisso está sua condenação e redenção. E nisso está, penso eu, a razão pela qual utiliza o ponto de exclamação com certa freqüência.
Em Por uma educação romântica, Rubem Alves demonstra que acredita numa educação que se faça, mais do que com verbas, com o verbo, com a palavra. O seu romantismo é uma resposta às críticas que recebe. Chamam-no de “romântico”, “saudosista”, “idealista”. E é escrevendo crônicas, em tom mais para literário e poético do que para investigativo, que o autor vai definindo e difundindo sua visão de uma educação inteligente e sentimental. Do livro escolhido, o texto que contém o maior número de pontos de exclamação é a crônica “O ipê e a escola”.
Nos primeiros parágrafos, o cronista cita Martin Buber, relembra a primeira vez em que leu o filósofo e teólogo judeu. Deitado numa rede, em plena tarde mineira, ocasião e postura ociosas — propícias, portanto, para o repouso, para este re-pousar, este pousar de novo sobre a alegria, este fazer amor com as palavras, como o próprio autor costuma definir a leitura. Porque o gozo e a alegria o invadiram:
Era de tarde, deitado numa rede, lá em Minas... À medida que eu lia, a alegria ia tomando conta de mim. Ficava alegre porque as palavras de Buber traziam a luz ao meu mundo interior. Naquilo que ele dizia, eu me reconhecia. [49]
O mundo interior iluminado contrasta com o mundo exterior das exigências de rigor acadêmico. O livro mais importante de Martin Buber, Eu e tu...
Não seria aceito como tese em nossas universidades. Não tem notas de rodapé. Não cita fontes. Não enuncia teorias. Não explica o método. Curto demais para uma tese. [50]
Lendo este pequeno livro [51] em estado contemplativo, os olhos do autor se abrem e ele compreende aquilo que vivia sem compreender. Neste momento revelador, verdadeira epifania, [52] desperta-se em Rubem Alves a paixão profética, mais ainda: a paixão querigmática, voltada para o anúncio: “Eu quero contar o que eu vi”. [53] Faltam-lhe as palavras, porém. Levanta-se e resolve dar uma caminhada. E aí, de repente, nova iluminação:
E lá ia eu, absorto em meus pensamentos, quando, de repente, bem à minha frente, uma explosão de cores: a terra ejaculando flores — flores que estavam escondidas dentro dela! Um ipê-rosa florido! Já pensaram nisso? Que as flores são os pensamentos da terra? A terra pensa flores! Dentro dela, as flores ficam guardadas, dormindo, mergulhadas na escuridão. Mas, pela magia de uma árvore, os pensamentos da terra se oferecem aos nossos olhos sob a forma de flores! Dentro da terra estão todas as flores do mundo, à espera de árvores... A terra sonha ipês! As árvores são os psicanalistas da terra! [54]
Seis pontos de exclamação (contra duas interrogações) num só parágrafo! Rubem Alves descobre, então, como explicar Martin Buber, como explicar a certeza de que a natureza é sagrada, e de como, na relação eu-tu, o tu pode ser transformado em objeto. O autor não consegue e não quer sair do seu assombro. Está feliz por ter visto, está possuído pelo eros, sente vontade de abraçar a árvore, comer as flores. Êxtase. E sofre, ao mesmo tempo, com a percepção de que, por outro lado, muitas pessoas...
irão passar por aquele ipê sem se assombrar. Para elas, aquele ipê é apenas um objeto a mais, ao lado de postes, casas e carros. Já contei de uma mulher que odiava um manso e maravilhoso ipê-amarelo que havia diante de sua casa. Ela odiava o ipê porque suas flores sujavam o chão! Chão de ouro, coberto de flores amarelas, flores que deveriam ficar lá! Seria necessário tirar os sapatos dos pés para andar sobre elas! Mas aquela mulher não via com os olhos. Via com a vassoura. E uma vassoura dá sempre a mesma ordem: varrer, varrer! Tudo o que pode ser varrido é lixo! E ela, para se livrar do trabalho, envenenou o manso ipê. O ipê morreu. Não mais suja a calçada da mulher. [55]
O espanto do poeta (é como poeta e contador de histórias que Rubem Alves acaba se apresentando) perante a insensibilidade daquela mulher só é possível porque ele está sensibilizado ao máximo com a beleza do ipê, com a descoberta explosiva de que as flores são os pensamentos e os sonhos da terra, com o mistério do universo que, por um segundo eterno, abriu-lhe as portas e o convidou à admiração. Os pontos de exclamação são uma decorrência desse estado de espírito, em que dor e alegria  se unem sem se confundirem.
O autor dirige seu olhar iluminado para a escuridão da realidade educacional:
Para um professor que só pensa no cumprimento do programa, todos os seus alunos são objetos. (...) Um doente, para o médico, pode ser apenas um “portador de uma doença”. (Ah! Os professores e alunos, à volta de um doente sobre quem nada sabem, nem mesmo o nome, numa enfermaria de hospital! Ali não está um ser humano! Ali está um “caso” interessante...) [56]
Novos pontos de exclamação como forma de queixume diante da insensibilidade, da falta de humanidade nas relações humanas, da falta de “escolacidade” das nossas escolas:
Já falei que nossas escolas são planejadas à semelhança das linhas de montagem: as crianças são “objetos” a serem “formados” segundo normas que lhes são exteriores. Ao final, formadas, são objetos portadores de saberes, centenas, milhares, todos iguais. [57]
A “escolacidade” é o que caracteriza a escola em sua essência. O vocábulo grego skholé refere-se a descanso, repouso, uso inteligente do tempo, dedicação ao estudo naquilo que tem de mais prazeroso: a descoberta pessoal da realidade, cultivo do pensamento em flor. Rubem Alves, deitado na rede, estava estudando, exercitava-se na atividade repousante, e estimulante, do conhecimento libertador. É deste conhecimento que o autor sente falta na escola, nas nossas escolas. O conhecimento que nasça do assombro fundamental. O pensamento é filho da admiração. Desse pressuposto surge uma definição de educador, páginas adiante: “O educador é um mostrador de assombros. Tudo é assombroso.” [58] E é nisso que reside o início da verdadeira atividade científica:
Copérnico: primeiro, o assombro dos céus estrelados; depois, a compreensão matemática (invisível!) dos movimentos das estrelas. Darwin: primeiro, o assombro diante da variedade das espécies vegetais e animais; depois, a compreensão (invisível!) da sua origem. [59]
Com freqüência Rubem Alves cita Nietzsche, filósofo dionisíaco. Dionísio é o deus do vinho, da música, do êxtase, do ponto de exclamação. Inclui-se Rubem Alves neste tipo de pensadores, que têm a lucidez dos que estão à beira da morte e a capacidade de se espantarem diante de tudo, do belo e do hediondo. Ora, e como se espantar sem pontos de exclamação?!

Três mulheres e o ponto de exclamação
Três escritoras: Cecília Meireles, Fanny Abramovich e Tania Zagury.
A primeira, cuja mãe foi professora primária (a primeira professora a formar-se no Brasil),  escreveu crônicas voltadas para o tema da educação em duas fases distintas e em dois jornais diferentes do Rio de Janeiro — Diário de Notícias (960 artigos, de junho de 1930 a janeiro de 1933) e A Manhã (entre agosto de 1941 e outubro de 1943, com a coluna “Professores e estudantes”). Poeta, professora, diretora de escola, preocupava-se intensamente com a formação do educador, com a evasão escolar, com as reformas educacionais.
A jornalista, crítica literária e escritora Fanny Abramovich tem uma longa vivência como educadora. Lecionou na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino superior. Militou na imprensa paulista nas décadas de 1970 e 1980. Trabalhou como orientadora pedagógica em vários centros de aprendizagem e já proferiu mais de 300 palestras em todo o país (sobre arte e educação, teatro e educação, teatro infantil, criatividade na educação e literatura infanto-juvenil). Colaborou como consultora editorial, organizou coleções, escreveu mais de 50 livros, mais de 50 prefácios apresentando livros de vários gêneros literários, e cerca de 500 artigos para diversas publicações brasileiras.
Tania Zagury leciona desde 1968, no Rio de Janeiro. Concluiu o Mestrado em Educação, é professora universitária, e se tornou best-seller nacional a partir da publicação de Limites sem trauma – construindo cidadãos, em 2000. “Embora de leitura fácil” — adverte-se no site [60] da autora — “suas teses não são simplistas, pois baseiam-se em toda uma vida de trabalho, estudos e pesquisa em prol da Educação”.
A escolha de três mulheres educadoras-escritoras, para prosseguir na análise do ponto de exclamação em textos sobre educação, não foi casual. De fato, a presença das mulheres no magistério brasileiro é mais do que expressiva. Em 1980, no ensino pré-escolar, a cifra era de 99%; da 1ª à 4ª série do antigo ensino de 1º grau, as mulheres representavam 96,2%; da 5ª à 8ª série, 85,7%; no então chamado 2º grau, 70,4%. [61] O Censo do professor de 1997, realizado pelo INEP, registrava 85,7% de mulheres na educação básica (incluindo, portanto, educação infantil, ensino fundamental e ensino médio). Segundo os dados de uma pesquisa mais recente, realizada pela Unesco em colaboração com o INEP e o Instituto Paulo Montenegro, “dentre os professores brasileiros (do ensino fundamental e do ensino médio), 81,3% são mulheres”. [62]
Ora, à supremacia numérica das mulheres nem sempre corresponde a devida valorização. A própria Fanny, com seu habitual tom de indisfarçável revolta, denunciava, na década de 1980, uma situação que, apesar dos progressos dos últimos vinte anos, ainda está longe da superação:
Enfim, professora é vista sempre como aquela que trabalha apenas na escola primária, sem nenhuma nobreza, sem nenhuma credibilidade, sem nenhum vôo teórico ou vivencial, sem nenhuma organização significativa do seu pensamento e de sua ação, e cuja titulação deve até ser evitada de ser mencionada... É algo menor, desimportante, que não avaliza nenhuma informação, comentário ou cujo raciocínio possa ser levado a sério... Primária!
Já professor, é título, honraria suprema, quase a síntese de todo um curriculum, ao qual, toda a reverência é pouca...
Pode haver tanto preconceito (e numa atividade majoritariamente exercida por mulheres, no decorrer dos tempos e das várias geografias)? Parece que pode, por mais ridículo, estranho e absurdo que soe e seja... [63]

Do ponto de vista estilístico, trata-se de analisar o texto de três professoras e pensadoras bastante envolvidas com a realidade educacional brasileira, verificando, em concreto, sua relação com o ponto de exclamação, e o que ele implica de expressividade (e, talvez, de um determinado tipo de expressividade...). Baseio-me, em princípio, na hipótese de que há um texto a que se possa chamar “feminino”, e que em tal texto esbarramos com mais facilidade na presentação do corpo de quem escreve e, em conseqüência, encontra-se menos vigiada, menos policiada a exteriorização de sentimentos. No texto feminino não teremos apenas palavras, mas a corporização, a feminização, “priorizando mais a voz, o som, que o sentido; mais o como se diz do que o que se diz; mais a coisa que o signo. É especialmente aí que o feminino e a mulher se interseccionam, uma vez que, na mulher — e na escrita feminina —, o corpo ocupa um lugar privilegiado”. [64]
Trata-se de considerar a nossa condição sexuada — condição mais ampla e radical do que a nossa condição sexual — corporificada no texto. A condição sexuada “afeta a vida inteira, desde o físico até o mental”; [65] não existe, portanto, uma forma assexuada de escrever. Acenaria o ponto de exclamação, em textos redigidos por mulheres, com uma peculiar forma de admirar-se, sofrer, alegrar-se com a realidade educacional brasileira? Apesar dos numerosos contra-exemplos e contra-argumentos, não encontraríamos no uso espontâneo do ponto de exclamação os mais tipicamente femininos senso do concreto e do cotidiano, e o pendor para acatar com intimidade o real?
Primeiramente, Cecília Meireles.
E o que logo chama a atenção é que, não obstante a urgência do tema, a educação brasileira, e todos os embates que em torno dele se travaram nas décadas de 1930 e 1940, Cecília, envolvidíssima, lutando tenazmente por suas idéias, criticando abertamente Getúlio Vargas, e tendo como opositor, por exemplo, um gigante da intelectualidade brasileira católica como Alceu Amoroso Lima, mesmo assim produziu textos cordatos, em que se percebe o influxo de sua natureza pacífica, risonha e um tanto melancólica. Textos que fogem à exaltação, embora tratem de questões que poderiam suscitar abundantes pontos de exclamação!
O fato, porém, é que Cecília os economiza. Nem alegre, nem triste, a poeta, irmã das coisas fugidias, com uma permanente consciência da transitoriedade do mundo, sem sentir excessivo gozo ou demasiado tormento, os economiza em poesia e prosa. Utiliza-os em seus poemas, sim, com moderação, como em obediência exata aos cânones:
Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...).
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu... (“Lua adversa”) [66]

Três pontos de exclamação, não mais. Um poeta romântico poderia proliferá-los sem a menor dificuldade. O quiasmo “minha vida” x “vida minha”, insinuando no desencontro das palavras o desencontro da poeta com o possível amado, recebe o destaque do ponto de exclamação, bem como o segundo verso da terceira estrofe, em que se ressalta o trabalho interminável da fiação melancólica! Afora isso, reticências...
Pois bem, em sua prosa, Cecília adota estratégia semelhante. Sem abdicar de seu ser libérrimo, como observou Manuel Bandeira, a autora dos textos jornalísticos mantém-se dentro do rigor formal e não sente necessidade de grandes extravasamentos estilístico-emocionais. Há em Cecília, de fato, um apego natural às normas serenas, ao comedimento. Seu espírito não-violento a aproximou de figuras como São Francisco de Assis e Gandhi. A este último dedicou uma elegia, traduzida em diversos idiomas. [67] De modo que, apesar de verdadeira a expressão “farpa na lira”, com a qual Valéria Lamego intitula um livro sobre o lado combativo da poeta (A farpa na lira – Cecília Meireles na revolução de 30, pela Record), a harpa poética de Cecília se impõe à contundência da farpa.
Tal parcimônia não retira ao texto de Cecília a sua força. A força é medida, e a medida se obtém na força moral que a autora imprime nas palavras escolhidas a dedo. Por isso, Cecília pode até prescindir do ponto de exclamação, mesmo ao defender com veemência as suas convicções:
Eu acho sempre muita graça nas pessoas que fazem certas críticas à Escola Nova, absolutamente como se a conhecessem, e com uma ingênua esperança de a poderem evitar.
Não a podem evitar, não porque ela se queira impor, dogmaticamente, mas porque, pelo fato de corresponder á verdadeira necessidade da fase atual da vida, por não desejar mais nada que estar a serviço da própria vida, por se resumir em dar às criaturas aquilo de que possam carecer para a elementar função de existir, a Escola Nova é uma coisa invencível. [68]

A poeta-professora parece ter estabelecido para si mesma uma cota limitada de pontos de exclamação. Poderá usar um, por exemplo, no título “Pela criança!”, mas, ao longo desta crônica, evita-o, como que a pedir desculpas pelo “exagero” inicial. [69] Se alguém poderia imaginar que a esta autora seria normal multiplicar o recurso gráfico da admiração, os textos refutam a imaginação e demonstram que, para Cecília, mesmo os assuntos graves devem ser estudados e resolvidos com serenidade, sem exaltação. Numa crônica em que comenta, no ano de 1932, a existência problemática de escolas italianas no Brasil, fortemente influenciadas pelo momento político na Itália, [70] Cecília pondera que, do ponto de vista pedagógico, há inconvenientes sérios, uma vez que as crianças, nascidas no Brasil, estavam sendo preparadas por um ensino estranho ao nosso ambiente:
No entanto, não é por aí, principalmente, que se costuma apaixonar a opinião geral, porque as razões puramente educacionais ainda pesam pouco no empirismo do maior número.
À opinião pública interessa o crime que se pratica contra a idéia de pátria, contra o nome do Brasil, que, no caso dessas escolas, passa a figurar quase como uma colônia italiana, por onde se deve alastrar o esplendor do fascio e a veneração pelo Duce.
À opinião pública interessa a humilhação em se colocar o Brasil com as fábulas de livros e de professores certamente apaixonados pela Itália Maior, e tão perdidos nessa paixão que talvez não sintam o próprio erro em que estão sendo levados, — tanto o patriotismo, de certa medida em diante, deixa de ser uma virtude para se converter numa possibilidade fecunda de desvarios e de incompreensões.
Esses professores italianos que a opinião pública do Brasil tem o direito de julgar com severidade, talvez do ponto de vista da expansão da sua nacionalidade mereçam outro julgamento mais favorável: tudo questão de interpretação, de interesse, de finalidade...
Mas, como o patriotismo é um vinho que embriaga rápida e perigosamente, a opinião pública do Brasil pode, também, entontecer, e, em lugar de estudar conscienciosamente o caso das escolas italianas, pôr-se a bradar contra o macarrão e o Chianti, que não têm nada com o caso, e que só podem aumentar a confusão e excitar a agressividade dos ânimos. [71]
Nenhum ponto de exclamação, neste trecho e ao longo de toda a crônica. Nenhum brado, nada, em coerência com o conteúdo do texto, em que Cecília critica qualquer excesso de parte a parte, e solicita a reflexão tranqüila, desapaixonada.
Como desapaixonada, em contrapartida, jamais se comportaria Fanny Abramovich numa circunstância semelhante. Seu estilo traduz insatisfação aberta. Fanny reclama, bota a boca no trombone, nunca está em paz!
Um livro que Fanny cita em vários artigos e palestras suas, o “delicioso” (adjetivo usado pela escritora) Cuidado, Escola!, serve como ótima referência para nos fazer compreender a sua mente inquieta. Fanny tem necessidade de posicionar-se, de defender os sentimentos, as experiências pessoais, e rebelar-se contra o artificial, contra a tirania e o autoritarismo, contra o tratamento massificador, contra os comportamentos abafadores da imaginação, contra tudo o que cheira a burocracia, contra o controle...
Fanny, no entanto, apesar de sua proposta educacional libertária ou quase anárquica, radical, usa o ponto de exclamação com menos insistência do que seria de prever. Não obstante, quando o emprega, e por vezes o emprega para valer, triplicando-o, emprega-o com visível gosto, com vontade de firmar sua emoção ou sua indignação, ou sua empatia, seu entusiasmo, sua surpresa, ou sua ânsia de questionar, de mostrar uma descoberta fascinante, seu envolvimento:
Nestes últimos (e muitos!) anos de andanças professorais (...). [72]
Que para sobreviver com um mínimo de dignidade e somente através do magistério, havia muita gente que dava 60 aulas por semana (!!!), o que totalizava, mais ou menos, quatro períodos diários... [73]
Um educador ciente de seu papel histórico, criando seus alunos para desempenharem o seu papel histórico! [74]
Desde mesmo grupo, ex-professores de educação física, que conheciam muito bem todos os macetes do “Um-dois-três-quatro”, viraram (por inspiração da fada madrinha!) mestres em expressão corporal... [75]
Jogo de bolinha de gude, onde tudo girava em torno da posse inicial das bolinhas e das perdas acontecidas durante cada partida... E até um jogo de pôquer, onde a aposta era feita a dinheiro, e bem alto!!! [76]

O ponto de exclamação reflete uma atitude de curiosidade permanente, de permanente interesse pela realidade e pelas pessoas. Numa entrevista ao jornal Extra Classe, do Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul, perguntou-se a Fanny o que falta para o professor despertar a curiosidade? E a resposta:
Não dá para você ter um ser formador de qualquer outro se você não se pergunta, se você não se espanta, se não tem curiosidade, se você não se belisca, se não confere, se não vai. Não ter curiosidade, pensar que é impotente e contar quanto tempo falta para aposentadoria é que não dá. Não dá para ser um educador dizendo isso, é essencial; ou você tem tesão ou não tem. Se você não tem tesão para estar numa sala de aula, por favor, abra um brechó, uma tortaria, um café, é tudo digno. [77]
É fácil imaginar a inclusão de uns tantos pontos de exclamação na transcrição desta resposta. Contudo, a repórter, provavelmente educada na arte (ou no desastre...) de escrever sem paixão, não soube exercer a liberdade de pontuar com ênfase! (O que seria bem mais objetivo de sua parte...)
A dedução de que aquele texto deveria surgir com alguns pontos de admiração apóia-se na visão dessa pedagogia exclamativa, empenhada, que é a de Fanny, como demonstram suas palavras em outra entrevista: “Para mim, pedagogia é trabalhar com o professor de uma maneira porosa, sensível, ‘abertante’, ‘perguntante’, e não com a resposta certa etc.” [78] Ao “perguntante” atribuo o ponto de interrogação, e o de exclamação associo ao “abertante”. Pois é assim que se abrem os olhos e os ouvidos do leitor!
O ponto de exclamação é “abertante”, concretiza no papel o tesão da escrita, a tensão da criatividade. Fanny fala/escreve com emoção. Com emoção a toda, com os sentidos, ela escreve, aberta às sensações:
Em cima de um pano verde, borda-se em azul e branco... Desnecessário dizer que a folha de papel que margeia todo esse impacto criativo é amarela! E assim, temos um anjo borrado civicamente! [79]
Sua convicção heraclitiana de que tudo está em mutação e a de que o rosto, máscara teatral, existe para expressar novas formas de ser o que somos levam a uma nova exclamação:
E fazer caretas é sempre engraçado, relaxante. E poder mudar a cara de alguém, é sempre, no mínimo, estimulante. Saber que nada é imutável! [80]
Discorrendo sobre brinquedos para bebês, com e como estes se empolga ou sente raiva:
“Pimpão” (Estrela) é um ursinho de plástico rosa-fulgurante (e bota fulgurante nisso!) tendo na sua parte central (à guisa de corpo) um círculo branco. [81]
Chocalho é um brinquedo que pode ser inventado em casa mesmo, misturando cereais, pedrinhas, pequenas coisas de papelaria e o que mais tiver por perto, colocar dentro de uma embalagem pequenina e maleável, colar, pintar de uma cor agradável e deixar o bebê brincar. Desse modo faz mais e diferentes sons, é feito com carinho e se torna um objeto sonoro, afetivo e lúdico, de preferência! [82]
Daniel, que até que gosta de boneco de barro, de enfeite, acha chatíssimo é boneco de palha; muito do bobo é ficar brincando de papai e mamãe, e raiva tem é de facas, que dá é pavor!!! [83]
Bobíssimos, de não agüentar, é aquele da Patotinha e raiva tem é daqueles cubos que dizem que a gente não sabe fazer e que a gente faz e faz inteirinho!!! [84]

As palavras, num texto, “carecem de suas qualidades plenamente fonéticas”, [85] mas podemos supor que uma escritora acostumada a falar em público, trabalhadora da palavra dramática, algo da entoação e do tom de voz permita ou mesmo deseje fazer transparecer na escrita. O tom de voz animado ou irado, calmo ou resignado, hesitante ou amoroso em parte depende da interpretação do leitor, que, como um ator lendo o texto teatral, decide como pronunciar as palavras dos diálogos. No entanto, o ponto de exclamação é aquele sinal, em concreto, a deixar claro que ali, naquela passagem determinada, um forte sentimento está presente.
A hipótese de que o emprego do ponto de exclamação é mais intenso ou freqüente no texto de um escritor cuja psicodinâmica o inclina, na linguagem oral, a expressar-se com emoção, pode ser útil para explicar seu aparecimento no texto da terceira escritora escolhida para a nossa análise, Tania Zagury, que, a exemplo de Fanny, e em contraste com Cecília, externa uma fala mais apaixonada:
(...) mas, mesmo com toda conversa, com todo afeto demonstrado e outras tantas racionais explicações, o CD foi arranhado, sim. E não apenas um, mas vários! [86]
Uma fala que dá pé para a dramatização, e quase se assemelha a uma transcrição da voz ao vivo:
Mas, calma, nada que não tenha remédio! Algumas regras básicas são suficientes para colocar a casa em ordem e a vida em paz!... [87]
Pedir calma com exclamação! E prometer expor algumas regras para atingir a paz! É, de fato, motivo para todos exclamarem! A autora tem um objetivo claro: explicar como ser um pai e uma mãe modernos, ensinando aos filhos que desenvolvam habilidades básicas de cidadãos, de...
seres humanos capazes de praticar o humanismo com a mesma naturalidade com que respiram! [88]
Daí que, ao final destas primeiras páginas em que promete ensinar formas de autoridade sem perder a ternura, Tania nos conclame:
Então, se estamos todos de acordo, mãos à obra! Vai valer a pena! [89]
Conforme a tese do livro, é preciso aprender a ensinar desde cedo o respeito aos limites. E dar limites, sem gritos, sem autoritarismo, sem violência (mas com a ajuda dos pontos de exclamação), é, entre outras coisas...
dar o exemplo (quem quer ter filhos que respeitem a lei e os homens tem de viver seu dia-a-dia dentro desses mesmos princípios — ainda que a sociedade não tenha apenas indivíduos que agem dessa forma)!!!! [90]
As propostas da autora são a afirmação de idéias básicas que, apesar de óbvias, tornam-se objeto de uma nova surpresa! Ora, por que não pensamos nisso antes?
O ser humano, por natureza, tem o desejo de sentir-se amado, aprovado, elogiado. Portanto, temos de aproveitar esse aspecto em prol da boa formação de nossas crianças. Quando o elogio vem da mamãe ou do papai então... aí mesmo é que elas dão o maior valor! [91]
O tom coloquial aproxima a autora dos leitores, aumenta a empatia. Partilhamos os mesmos problemas caseiros, sofremos juntos, gritamos por socorro a uma só voz!
... vizinhos vêm a sua casa e acusam seu menino, agora com 11 anos, de ter arranhado o carro novo na garagem ou de ter jogado a bicicleta propositadamente na coleguinha que atravessava o playground... meu Deus, socorro! [92]
Não deixa de ser espantoso que os problemas ocorram num contexto de carros novos e de prédios com espaços reservados para a criançada. São problemas circunscritos a um grupo social cujo maior problema, talvez, foi ter nascido sem maiores problemas... Ou, como dizia o cineasta Steven Spielberg, a única coisa que ele não pôde dar a seus filhos, e seria a mais importante, foi uma infância pobre. Por isso, diante de demasiadas possibilidades e recursos, é preciso falar em limites, em regras, em obediência, em saber lidar com as frustrações, uma vez que as circunstâncias econômicas deram ao contexto familiar facilidades demais, facilidades destruidoras... Cabe-nos, agora, relembrar o essencial, o básico:
Lembre-se, nosso objetivo é ter filhos que nos dêem orgulho, que saibam respeitar os outros, que sejam cidadãos. Então, nada de “peninha” sem razão de ser! [93]
Admito que o objetivo de sentir orgulho de filhos-cidadãos que aprenderam, sem trauma, a conhecer limites parece-me limitado... e que o ideal mesmo seria que eles descobrissem horizontes, descobrissem sua razão de existir, descobrissem formas de servir a sociedade, desenvolvendo virtudes como a generosidade, o otimismo, a magnanimidade, em lugar de estarmos nós, pais, às voltas com nossa comiseração (sem razão de ser) à hora de educar... Pais, todos nós, aparentemente tão perdidos a ponto de precisarmos ler conselhos que nossos avós dariam e deram, mas que se perderam nos desvãos da modernidade, ou da pós-modernidade...
Tudo em educação leva anos para ser interiorizado. Portanto, tenham paciência. Aos pouquinhos, seus cuidados e dedicação terão resultados compensadores.
Mas de-mo-ra!!! Demora muito! Tenham perseverança, porque os objetivos são excelentes e não podem ser abandonados. [94]
Parece-me, lendo o nome de alguns dos autores mencionados na bibliografia do livro, pedir demasiadamente pouco a Maquiavel, Freinet, Paulo Freire, Moacir Gadotti e Piaget que venham corroborar esta série de conselhos caseiros! Isto, sim, mereceria um ponto de exclamação. Ou mais de um. Porque, à medida que progredimos na leitura do best-seller, deduzimos que esses conselhos — “seja verdadeiro”, “busque oportunidades de diálogo sempre”, “cuidado com o que você diz e com o modo como diz” — compõem um quadro de obviedades ao alcance da mão e do bom senso. E, realmente, é de chamar a atenção que relembrá-las seja tão urgente, tão necessário e acolhido com tamanha fome de verdades práticas!
O sucesso deste livro de Tania Zagury deve-se, em boa parte, à valorização que a autora dá a esses conselhos e orientações. Cada ponto de exclamação é uma forma de enfatizar nossa surpresa (e a da autora, talvez) diante do surpreendente desamparo em que nos encontramos como educadores.
Num livro posterior, Escola sem conflito, Tania reedita, acrescentando ao conteúdo um pouco mais de informações de caráter histórico-pedagógico, e algumas noções de cunho pedagógico, um estilo que se surpreende, de novo, com o óbvio, ou com a nossa necessidade de ouvir o óbvio:
Sabemos — há profissionais sérios e responsáveis em quantidade, como também, infelizmente, em todas as profissões, existem profissionais menos capazes. Fala-se tanto em professores mal formados, mal remunerados, insatisfeitos, ouve-se e lê-se em jornais como é difícil preservar o equilíbrio nas adversas condições em que os professores trabalham atualmente! [95]
Escola sem conflito, no entanto, busca a paz, num panorama em que a mulher parece ser a grande destinatária do livro, e em que é possível escolher uma escola particular sem que o problema financeiro seja relevante:
Converse com seu marido e, depois de analisarem as necessidades da criança e a realidade da família, escolham entre:
1) Escolas de horário integral ou parcial.
2) Escolas religiosas ou leigas.
3) Escolas que oferecem apenas as atividades curriculares ou as que oferecem também atividades extracurriculares, tais como judô, natação, balé, ensino de línguas etc.
4) Escolas bilíngües. [96]

A essa altura, o conflito é o de menos, pois a escola pública não comparece num hipotético quinto lugar sequer. O livro assume ser um guia de conduta para pais que podem pagar por uma boa escola particular. A problemática da escola que realmente está em conflito ficou fora dos limites propostos. Sucedem-se então os conselhos e os lembretes  — “prestigie as tarefas escolares do seu filho”, “arrume um espaço que será local de estudos para seu filho”, “combine com a criança o horário das tarefas”... —, e escasseiam os pontos de exclamação. Com efeito, impõe-se a idéia de um receituário. Vez ou outra a recomendação ganha destaque, mas nada que ultrapasse o óbvio que nem ululante é:
Toda vez que você pedir uma reunião ou for chamado para uma encontro na escola — vá desarmado! Lembre-se: a escola é sua maior aliada na educação! [97]

A admiração e o seu ponto (a modo de conclusão)
O fenômeno da linguagem, como ensina Alfonso López Quintás, deve ser “visto en el nivel de hondura en el que se conecta con la puesta en acto de la vida propiamente humana” e “con el acceso del hombre a lo real”. [98] Trata-se, por isso, de não limitar o seu alcance e suas possibilidades expressivas, e de, por outro lado, como recomendava Heidegger, realizar uma experiência pensante com a linguagem, o que implica abrir-se para a sua radicalidade.
A linguagem é uma dessas realidades cujos limites não podemos determinar de antemão, sob pena de nos proibirmos o contato com sua complexidade. Antes de, precipitadamente, enquadrar o uso do ponto de exclamação como uma excrescência, uma superfluidade que desequilibra a harmonia do texto e que, em termos cirúrgicos, deveria ser extirpado como um tumor que por vezes aparece sobre o texto, convém analisar esse pequeno sinal... como um sinal!
O contexto é a própria linguagem, enquanto “lugar” que abriga “una capacidad expresiva directamente proporcional a la capacidade creadora del hombre, ser que contribuye a crear el lenguaje y se nutre al mismo tiempo de él.” [99] Ou seja, ao empregar o ponto de exclamação, trago à tona minha relação ativo-receptiva com a própria linguagem. É nela que encontro, disponível para a prática escrita, um sinal que me envolve na emoção que eu mesmo senti. O ponto de exclamação faz a minha revolta, ou o meu espanto, ou a minha alegria, ou a minha dor tomarem corpo no texto, e, simultaneamente, leva-me a imergir de novo em minha sensação (e convidar os meus leitores a fazerem o mesmo).
É bem possível, como vimos no caso dos poetas românticos, que o uso exagerado do ponto de exclamação, influenciado em boa parte pela moda literária, tenha se tornado alvo fácil para os críticos cujo temperamento mais comedido e a preocupação com a objetividade justificariam a expulsão daquele sinal, ou, pelo menos, o afastamento de suas funções sine die.
Contudo, é também um fato objetivo que o sujeito exclama. [100] E exclama por algum motivo! Existe uma experiência exclamativa, que, sem dúvida, poderá parecer exagerada a quem não realizou ou não costuma realizar esse tipo de experiência. (Ou pode trazer consigo uma certa afetação, como no caso de Tania Zagury, cujo estilo eu não teria coragem de considerar legitimamente apaixonado como o de Rubem Alves e o de Fanny Abramovich.)
Por isso, a questão talvez não seja darmos voltas à rejeição ou à adoção do ponto de exclamação em si mesmo, como se pudéssemos reduzir o problema a uma questão de gosto, ou as opções estilísticas a uma questão de idiossincrasias arbitrárias. Talvez a pergunta melhor seja a seguinte — rejeitar o ponto de exclamação não demonstraria uma insuficiência experiencial naquele que o rejeita?
Adélia Prado, no poema “A boca”, pode oferecer-nos uma orientação:
Se olho atentamente a erva no pedregulho
uma voz me admoesta: mulher! mulher!
como se me dissesse: Moisés! Moisés!
Tenho missão tão grave sobre os ombros
e quero só vadiar.
Um nome para mim seria A BOCA
ou A SARÇA ARDENTE E A MULHER CONFUSA
ou ainda e melhor A BOBA GRAVE.
Gosto tanto de feijão com arroz!
Meu pai e minha mãe que se privaram
da metade do prato para me engordar
sofreram menos que eu.
Pecaram exatos pecados,
voz nenhuma os perseguiu.
Quantos sacos de arroz já consumi?
Ó Deus, cujo Reino é um festim,
a mesa dissoluta me seduz,
tem piedade de mim. [101]

A boca exclama diante da comida caseira. O “eu lírico”, a mulher escolhida por Deus, gosta tanto de feijão com arroz! O ponto de exclamação ressalta a transcendência do arroz com feijão. Não procede aqui o conselho que o Manual da Editora Abril nos deu páginas atrás, ao recomendar que escolhêssemos “palavras mais fortes para construir uma frase vigorosa”, abrindo mão do ponto de exclamação. É o ponto de exclamação que fortalece o arroz com feijão! E Adélia sabe disso. Sabe que o vigor da sua experiência místico-prosaica consiste em exclamar: “Iô feijão com arroz!”
A simplicidade das palavras “arroz”, “feijão” adquire uma significação intensa e dramática. Mas é preciso olhar atentamente. Sentir profundamente. Este arroz com feijão conta uma história de amor e sacrifício. Os pais que renunciam à metade do prato para alimentarem a filha. Esta renúncia é criatividade, na medida em que instaura um sentido para o sacrifício. Sacrum facere significa “fazer algo sagrado mediante um ato sagrado”. Renunciar à metade do prato de feijão com arroz, ato sagrado para alimentar a filha, deixa de causar sofrimento. Causa alegria! A consagração do feijão com arroz necessita do ponto de exclamação.
As palavras “feijão com arroz” na boca do dono do bar que anuncia o conteúdo de seu modesto cardápio não carregam, em princípio, a atmosfera de dramatismo presente no poema de Adélia. A boca (não a alma) de Adélia pronuncia, com reverência e paixão, o “feijão com arroz” de que tanto gosta. E de que gosta tanto porque a frase vem com o condimento simbólico do amor generoso de seus pais. O poder criador dessa expressão comezinha deve tudo ao valor “poiético”, e exige do leitor uma entonação nada indiferente, bem diferente da que emprega o dono daquele bar indicando que hoje, de novo, temos feijão com arroz. E o leitor é chamado a compartilhar da surpresa amorosa: o feijão com arroz, introduzido no âmbito do sagrado, pede uma exclamação, e a poeta soube ouvir esse apelo.
Numa entrevista ao Prof. Jean Lauand, Adélia Prado [102] fez conjecturas entremeadas de exclamações e anacolutos, conjecturas “irracionais” que, afinal, explicam sua capacidade para ouvir e obedecer (em latim ob audire, ouvir atentamente) à exclamação do real que se quer transformar em exclamação textual:
Eu acho que o fundo da experiência religiosa e da experiência poética — à revelia dos poetas ateus, à revelia desse povo que nega isso; é... à revelia deles, à revelia deles... — que o sagrado se mostra.
É um desejo de prostração que dá na gente, um desejo de adoração: você quer adorar e você sabe que não é mais aquilo que você tá produzindo, não é o rastro, não é mais a pegada como eu achava antes... Com aquela ânsia... mas é a coisa que se mostra atrás disso. (...) Eu acho que é isso sim. Eu acho que dá na mesma, mas eu digo expressão. Porque arte para mim — para mim, não! Que bobagem falar isto! — arte é pura expressão, o discurso dela é só expressivo... Ele não é político, ele não é religioso... (...) para mim é assim: algo — esse algo eu vou chamar de Deus — Ele quer se mostrar. Ele quer mostrar-se, Ele quer ser mirado. Então, uma das formas mais perfeitas, eu acho que aí há uma coisa de uma liberdade inaudita, que é o espaço da criação artística (que é onde você põe vaca roxa, põe acácia chorando, sei lá o que...). (...) Então, eu vejo assim, as coisas como manifestação — até a cadeira de plástico (...), ela manifesta. Manifesta, manifesta, manifesta, manifesta... (...). O fato é que é a poesia é que é religiosa, ela é sagrada (...). Ela, em si mesma, é sagrada. Eu vi um poema de Alceu, que é pagão, anterior a Cristo e é igualzinho ao poema “No éter”, que eu escrevi. Foi uma das maiores emoções que eu tive... O poema “No éter” fala daquela hora da tarde, daquela hora em que as coisas reverberam... Eu fiquei assustadíssima. Quer dizer, é uma coisa só, o sujeito é pré-cristão, pagão, e está falando a mesma coisa que eu. Então há essa origem sagrada, não é? (...) Eu fui, digamos, classificada, muitas vezes, como uma dona de casa que faz poesia. Quando Bagagem saiu, em 1976, eu ouvia: “O quê? Uma dona de casa, você faz as coisas em casa mesmo? Você tem filhos? Ah é? Que coisa, hein? Pois é...”. Então ficou mais ou menos assim: “ela fala do cotidiano, sabe?”. Mas, onde é que estão os grandes temas? Para mim, aí é que está o grande equívoco. O grande tema é o real, o real; o real é o grande tema. E onde é que nós temos o real? É na cena cotidiana.
Todo mundo só tem o cotidiano e não tem outra coisa. Eu tenho este corpo que eu carrego (ou ele me carrega... o burro) e a vidinha de todo dia com suas necessidades mais primárias e irreprimíveis. É nisso que a metafísica pisca para mim (risos) e a coisa da transcendência: quer dizer: a transcendência mora, pousa nas coisas... está pousada ou está encarnada nas coisas. Então não há o que dizer: não adianta você querer escolher grandes temas; é o grande tema que escolhe, isso é um lugar-comum, todo autor fala disso, mas realmente é assim: você é escolhido... Que que é o grande tema? É o real. E o real configurado no amor, na morte, nas mais diversas paixões que nos habitam e nas virtudes também.
Por que exclama aquele que exclama?
Responder a esta pergunta convenientemente é dar cabida e legitimidade ao uso do ponto de exclamação. E, no contexto da produção de textos sobre educação, essa legitimidade, por sua vez, repõe a necessidade de olharmos com olhos novos para os problemas de sempre. O educador, ao escrever, saberá quando condiz com sua experiência o emprego do também denominado ponto de admiração — admiração que se liga a mirandum.
No livro I, capítulo 5, do De partibus animalium (“Sobre a fisiologia e morfologia dos animais”), Aristóteles manifesta seu constante estado de admiração perante o mais humilde dos animais, perante a realidade como um todo — “tudo é maravilhoso (thaumáton)na Natureza”. Thaumáton é o extraordinário no ordinário, é aquilo que surpreende aos que estão abertos para se surpreenderem, é, enfim, segundo o mesmo Aristóteles na sua Metafísica, o início do verdadeiro trabalho filosófico.
Thaumázein, por sua vez, é o verbo grego comumente traduzido por “admirar-se”. No diálogo Teeteto, Platão associa este admirar-se a um páthos, um estado interior que nos arrebata, paixão que afeta filósofos e artistas, e encontrará nos pontos de admiração, de exclamação, sua tradução autêntica no ato de escrever. “Só assim, pensa Platão, o filósofo é eminentemente humano; pois o homem é feito de modo a viver no thaumázein, isto é, a filosofia; nisto se distingue dos animais e dos deuses”. [103] Nem os deuses nem os animais precisariam do ponto de exclamação. Não se admiram, porque, cada qual à sua maneira, já estão imersos na realidade e com ela se harmonizam. O ser humano, sim, dizia Santo Agostinho, flagra-se numa situação estranha, não-natural, e por isso, ao estranhar-se com o que vê, começa a refletir.
No verbo thaumázein encontra-se a raiz théa — vista, visão, espetáculo —, e daí a palavra “teoria”, cujo sentido originário é “observação pensante”, “investigação filosófica”, e a palavra “teatro”, lugar onde se assiste a um espetáculo, ou o próprio espetáculo. Ver atentamente o maravilhoso e aterrador espetáculo da vida é, por outro lado, permitir que o olhar seja arrebatado — “ser-possuído pelo olhar, o dever-ser-inteiramente-olhar para o que se apresenta, define a essência da admiração”. [104] Meu olhar é atraído para a realidade cujo súbito desvelamento causa-me impacto. Após breve ou demorada perplexidade, surge a vontade de analisar, de conhecer, de compreender: “com este querer saber pelo saber, nasce a filosofia.” [105]
Admirar-se perante a realidade da educação conduz a um determinado ponto em que o pensar torna-se repensar. Um pensar-repensar sobre essa realidade, e sobre ela escrever sem os chavões e clichês que evidenciam olhar rotineiro, soluções inócuas, abordagens anódinas. O texto pedagógico reflexivo deve fazer refletir, trazer para o palco do estranhamento o que estava no campo do banal e do insignificante. Os apaixonados, não obstante uma ou outra estridência, o fazem!

Referências Bibliográficas
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[1] Manual de redação e estilo, p. 241. Este manual foi publicado em 1990, depois de quatro anos de trabalho. Vale a pena ler o que escreveu a respeito, naquela altura, o então ombusdman da Folha de S. Paulo, Caio Túlio Costa: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ombudsman/omb_19900819_1.htm Acesso em: 16 jan. 2005.
[2] Trata-se da versão eletrônica deste manual, criado em 1984, revisado e ampliado em 1987 e, em 1992, republicado com o título de Novo Manual da Redação, versão integralmente disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/manual_redacao.htm. O verbete  sobre o ponto de exclamação está em http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/manual_texto_p.htm Acesso em: 04 jan. 2005.
[3] Manual da redação, p. 93.
[4] Cf. Luiz GARCIA (Org.), Manual de redação e estilo.
[10] Cf. http://www.rafael.galvao.org Acesso em: 04 jan. 2005.
[14] On writing well, pp. 72-73.
[15] Curiosidade revelada por Mário Eduardo Viaro: “Uma característica presente nas notícias dos jornais alemães é o uso de pontos exclamativos e interrogativos. Sua freqüência aponta para uma tipologia inexistente no jornal brasileiro (...). Mesmo em jornais mais ‘sérios’, esse recurso aparece, ainda que com maior parcimônia do que nos ‘menos sérios’.” (Em: Texto sensacionalista: análise de uma tradução. Tradterm, São Paulo: Humanitas, v. 5, n. 2, p. 62, 1998.)
[17] http://www.jangadabrasil.com.br Acesso em: 04 jan. 2005.
[18] http://www.jangadabrasil.com.br/cartas/mu261000.htm Acesso em: 04 jan. 2005. Em contrapartida, o jornalista e escritor inglês Terry Pratchett repetiria aqui sua maldosa sentença: “Multiple exclamation marks are a sure sign of a diseased mind.”
[19] Em entrevista à revista Veja, recolhida em Luiz Fernando MERCADANTE, 20 perfis e uma entrevista, p. 224.
[20] Sobre essa mudança de mentalidade, vale a pena ler o artigo Jornalismo, literatura e política: a modernização da imprensa carioca nos anos 1950, de Ana Paula Goulart Ribeiro, em: Estudos Históricos. Rio de Janeiro: CPDOC/ FGV, v. 31, pp. 147-160, 2003. Destacamos os seguintes trechos:
“Na década de 1950, (...) o jornalismo empresarial foi pouco a pouco substituindo o político-literário. A imprensa foi abandonando a tradição de polêmica, de crítica e de doutrina, substituindo-a por um jornalismo que privilegiava a informação (transmitida ‘objetiva’ e ‘imparcialmente’ na forma de notícia) e que a separava (editorial e graficamente) do comentário pessoal e da opinião.
“A imprensa foi deixando de ser definida como um espaço do comentário, da opinião e da experimentação estilística e começou a ser pensada como um lugar neutro, independente. O jornalismo não era mais visto como um gênero literário de apreciação de acontecimentos (como o havia definido Alceu Amoroso Lima). Passava a ser reconhecido como um gênero de estabelecimento de verdades.
“No caso do jornalismo carioca, a busca por um certo distanciamento em relação à literatura e à política passou pela incorporação de uma série de práticas discursivas advindas sobretudo do jornalismo norte-americano. Através desse modelo, a linguagem jornalística começou a adquirir uma sistematização interna, e o jornalismo obteve uma certa dose de autonomização, se transformando numa comunidade discursiva própria.
“As técnicas americanas impuseram ao jornalismo noticioso um conjunto de restrições formais que diziam respeito tanto à linguagem quanto à estruturação do texto. Inspirado no noticiário telegráfico, o estilo jornalístico passou a ser mais seco e forte. A restrição do código lingüístico – com uso de reduzido número de palavras, expressões e regras gramaticais – aumentava a comunicabilidade e facilitava a produção de mensagens. As regras de redação, além disso, supostamente retiravam do jornalismo noticioso qualquer caráter emotivo e participante. Para garantir a impessoalidade (e o ocultamento do sujeito da enunciação), impôs-se um estilo direto, sem o uso de metáforas. Como a comunicação deveria ser, antes de tudo, referencial, o uso da terceira pessoa tornou-se obrigatório. O modo verbal passou a ser, de preferência, o indicativo. Os adjetivos e as aferições subjetivas tiveram que desaparecer, assim como os pontos de exclamação e as reticências. As palavras com funções meramente enfáticas ou eufemísticas deveriam ser evitadas (...).
“Se, antes, o jornalismo havia sido o lugar do comentário sobre as questões sociais, da polêmica de idéias, das críticas mundanas e da produção literária, agora, ele passava a ser o ‘espelho’ da realidade. Vistos como emergindo naturalmente do mundo real, os acontecimentos, concebidos como notícia, seriam a unidade básica de construção dos jornais.Na estruturação da notícia, o jornalismo adotou as técnicas norte-americanas do lead e da ‘pirâmide invertida’. O lead era a abertura do texto, o primeiro parágrafo, que devia resumir o relato do fato principal, respondendo a seis perguntas básicas: quem?, fez o quê?, quando?, onde?, como? e por quê?. Símbolo máximo do jornalismo moderno, o lead veio substituir o ‘nariz de cera’, texto introdutório longo e rebuscado, normalmente opinativo, que antecedia a narrativa dos acontecimentos e que visava a ambientar o leitor.” (pp. 147-148)
[21] Ruy CASTRO, O anjo pornográfico – a vida de Nelson Rodrigues, p. 231.
[22] Fernando MORAIS, Chatô, o rei do Brasil, p. 371.
[24] Cut out all those exclamation marks. An exclamation mark is like laughing at your own joke.”
[26] Gilberto FREYRE, Como e porque sou e não sou sociólogo, p. 165.
[27] Manual de estilo Editora Abril, p. 25. (Lembro-me aqui da recomendação jocosa de um jornalista: “Mate todos os pontos de exclamação!!!”.)
[28] Explode um novo Brasil – Diário da Campanha das Diretas, p. 10.
[29] Ibid., p. 6.
[30] A prática da reportagem, p. 8.
[32] Ricardo NOBLAT, A arte de fazer um jornal diário, pp. 120-121.
[33] Cf. http://www.ferool.info/mallonp.htm Acesso em: 05 fev. 2005.
[35] Emília no país da gramática, p. 128.
[36] Podemos traduzir por “viva!”, “ah!”, “oh!”.
[37] Estilização semelhante ocorreu com o ponto de interrogação, na época em que se consolidava o uso de outros sinais como o apóstrofo e o travessão, isso entre os séculos XVII e XVIII. No caso do ponto de interrogação, tudo começou com a palavra latina quaestio, que significa “o quê”. Num primeiro momento, para simplificar na escrita, punha-se o “Q” maiúsculo sobre o “o” minúsculo. Com o tempo, o logotipo tornou-se o “?” que empregamos hoje.
[38] Obra poética, p. 568.
[39] Requiem pelo ponto de exclamação. Jornal de Letras, n. 15, 15.7.1981.
[40] Cf. História concisa da literatura brasileira, p. 139.
[41] Estilística brasileira, p. 131.
[42] Publicado em 1928, corresponde a uma época de crise moral e espiritual. A Primeira Guerra Mundial deixara patente a fragilidade dos ídolos e valores herdados do século XIX, que não puderam deter o genocídio. Por isso, ídolos, cânones e padrões “inabaláveis” devem ser destruídos. A antiga confiança na deusa razão, e no conhecimento empolgado consigo mesmo cede lugar à inquietude, ao sentimento trágico da vida — Del sentimiento trágico de la vida, de Miguel de Unamuno, data de 1913. A ordem científica e técnica fora destruída pelo absurdo da guerra total. Por que continuar cultuando uma ordem fracassada?
[43] Macunaíma, p. 79.
[44] Cf. José Guilherme MERQUIOR, De Anchieta a Euclides, p. 80.
[45] Apresentação de Machado de Assis. Em: Antônio Carlos SECCHIN; José Maurício Gomes de ALMEIDA; Ronaldes de Melo e SOUZA (Orgs.), Machado de Assis: uma revisão, p. 9.
[46] Ou, como José Saramago atua tantas vezes, eliminemos praticamente a pontuação, e deixemos ao leitor o encargo de decidir se haverá ali pontos de exclamação, de interrogação etc.
[47] Nossa escola é uma calamidade, p. 7.
[48] Trata-se de um artigo publicado em 30 de julho de 2004, intitulado “A caixa de brinquedos”, disponível em http://www2.uol.com.br/aprendiz/colunas/ralves/index.shtml Acesso em: 20 jan. 2005.
[49] Por uma educação romântica, p. 94.
[50] Ibid.
[51] Numa edição francesa publicada em 1959 (Aubier-Montaigne), este livro ocupa 82 páginas.
[52] “Epifania” traz em si o que há de luminoso, brilhante, jubiloso, em conexão com o substantivo grego pháos (luz do sol, brilho dos olhos, luz do farol... e, figurativamente, vida, felicidade, salvação etc.), e com o adjetivo phanós: radiante, claro, limpo. A palavra “ênfase” pertence ao mesmo campo semântico. O ponto de exclamação é um ponto de luz.
[53] Por uma educação romântica, p. 94.
[54] Ibid., pp. 94-95.
[55] Ibid., p. 95.
[56] Ibid., p. 96.
[57] Ibid., p. 97.
[58] Ibid., p. 194.
[59] Ibid.
[60] http://www.taniazagury.com.br/ Acesso em: 06 fev. 2005.
[61] Cf. C. BRUSCHINI; T AMADO. Estudos sobre mulher e educação: algumas questões sobre o  magistério. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 64, p. 4-13, fev. 1988.
[62] UNESCO, O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que almejam..., p. 44.
[63] Fanny ABRAMOVICH, Quem educa quem?, p. 35.
[64] Lúcia CASTELLO BRANCO, O que é escrita feminina, p. 22.
[65] Julián MARÍAS, Antropologia metafísica, p. 166.
[66] Cecília MEIRELES, Flor de poemas, p. 95.
[67] Uma dessas coincidências urbanas: como a assegurar a afinidade espiritual no plano geográfico, existe no Rio de Janeiro uma praça chamada Mahatma Gandhi bem próxima à Sala Cecília Meireles...
[68] Cecília MEIRELES, “Escola velha e Escola Nova”, em Melhores crônicas: Cecília Meireles, p. 283.
[69] IDEM, em Crônicas de educação, 1, pp. 217-218.
[70] Mussolini à frente, ele que (curiosidade histórica) era filho de professora, e tinha se mostrado um excelente professor de francês, além de jornalista brilhante.
[71] Cecília MEIRELES, “As escolas italianas”, em Crônicas de educação, 1, pp. 83-84.
[72] Fanny ABRAMOVICH, Quem educa quem?, p. 39.
[73] Ibid.
[74] Ibid., p. 41.
[75] Ibid., p. 45.
[76] Ibid., p. 50.
[77] Jornal Extra Classe, n. 82, junho de 2004. A entrevista encontra-se disponível em: http://www.sinprors.org.br/extraclasse/jun04/entrevista.asp Acesso em: 10 fev. 2005.
[78] Entrevista concedida ao jornal A Notícia, de Blumenau (SC), e transcrita no site da editora Geração Editorial: http://www.geracaobooks.com.br/releases/entrevista_fanny.htm Acesso em: 10 fev. 2005.
[79] Fanny ABRAMOVICH, O estranho mundo que se mostra às crianças, p. 140.
[80] Ibid., p. 141.
[81] Ibid., p. 142.
[82] Ibid., p. 143
[83] Ibid., p. 143
[84] Ibid.
[85] Walter ONG, Oralidade e cultura escrita, p. 118.
[86] Tania ZAGURY, Limites sem trauma, p. 15.
[87] Ibid., p. 16.
[88] Ibid., p. 17.
[89] Ibid., p. 19.
[90] Ibid., p. 24.
[91] Ibid., p. 40.
[92] Ibid., pp. 42-43.
[93] Ibid., p. 70.
[94] Ibid., p. 105.
[95] IDEM, Escola sem conflito, p. 23.
[96] Ibid., p. 56.
[97] Ibid., p. 231.
[98] Alfonso LÓPEZ QUINTAS, Estética de la creatividad, p. 326.
[99] Ibid., p. 327.
[100] Até o xadrez, que poderia ser classificado como um jogo que privilegia o raciocínio frio e calculista, alberga o ponto de exclamação. Na notação enxadrística, “!” indica um bom lance, e “!!” um lance excelente.
[101] Poesia reunida, p. 243.
[102] Realizada em 5 de novembro de 1993, publicada como Apêndice em Cecília CANALLE. Fundamentos filosóficos da poética de Adélia Prado - subsídios antropológicos para uma filosofia da educação, 1996. Dissertação (Mestrado em Educação) USP. São Paulo. É possível ler o conteúdo da entrevista em http://www.hottopos.com.br/videtur9/renlaoan.htm Acesso em: 10 fev. 2005, ou no livro de J. LAUAND, Interfaces – estudos e traduções, pp. 17-24.
[103] J. Y. JOLIF, Compreender o homem, p. 21.
[104] Ernildo J. STEIN, Melancolia, p. 99.
[105] Ibid.

Doutor em Educação pela FEUSP
Professor da Pós-Graduação do Programa de
Mestrado em Educação da Uninove
Coordenador Pedagógico do
Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa (Ipep)
perisse@uol.com.br